Caríssimo Aniel
              
               Espero que tenha tido uma Feliz Páscoa. Eu passei-a muito bem, em Maceió, com amigos. Lamentei apenas não ter ido a Penedo, reconhecer a terra de meu pai. Ficará para outra ocasião.

               Creio que ainda não falei a você sobre um dos meus estranhos prazeres literários. É o seguinte: gosto de escritores objetivos. Claro na escrita, coerente na exposição do tema, linguagem simples. Mas, há escritores difíceis que me atraem de maneira inexplicável. Por exemplo, o mexicano Octavio Paz, o argentino Jorge Luís Borges, a minha queridíssima  Clarice Lispector, até certo ponto Guimarães Rosa e outros que não vem ao caso citar.
              
                Uma dessas escritoras é: Virginia Woolf (1882/1941. Li quase todos os livros dela, publicados no Brasil.. Adorei “Orlando”, “Mrs. Dolaway”, “Passeio no farol” , “As ondas”. Mas confesso que saia dos livros sem saber dizer especificamente sobre o que tinha lido, mas encantado. Não falava da leitura com ninguém. Tinha receio de que me pedissem detalhes de enredo, personagens e eu não soubesse explicar. Verdadeiro analfabeto funcional.
  
               Também li os seus diários, daí o meu interesse não só pela leitura de seus livros como pela pessoa e mulher: Virginia Stephen Woolf. E a que vem isso: a leitura recente de “A casa de Carlyle e outros esboços”, de Virginia Woolf. São sete pequenos textos encontrados depois de sua morte. O prefácio foi escrito por Doris Lessing, que demonstra uma grande admiração pela escritora, mas não coloca panos quentes sobre a personalidade: antissemita, maliciosa, cruel, “debochada também , embora com um sotaque típico da classe alta”, da mulher, Virginia.

               Doris Lessing fala do filme “As Horas”, que apresenta uma romancista sensível e sofredora, que decerto teria maravilhado seus contemporâneos. E diz “A posteridade, ao que parece, tem de suavizar e tornar respeitável e polir, incapaz de ver que o áspero, o bruto, o discordante podem ser a fonte e o alimento da criatividade”. E mais adiante: “Meu Deus! A mulher aproveitou a vida quando não estava doente; gostava de festas, dos amigos, de piqueniques, excursões, caminhadas. E como adoramos mulheres vítimas: oh como de fato adoramos”. Aqui, me lembrei de Lia Luft. Parece que ela também pensa assim.

               Na verdade, quando vi o filme fartamente elogiado e dizia que não tinha gostado, todos torciam o nariz. Agora, lendo esse prefácio me sinto compensado. O filme é escuro, sombrio, lento enquanto a autora era agitada, nervosa, direta. Um bom livro para se ter uma ideia da personalidade de Virginia é: ”Casa de Virginia W” em que a escritora argentina Alicia Gimnenez Bartlett, coteja os diários de Virginia com os de sua empregada Nelly Boxall, que trabalhou dezoito anos na casa da escritora e que também mantinha um diário. As partes dos diários que falam da Segunda Grande Guerra são emocionantes e por vezes divertidas, assim como os trechos em que Nelly estranha a bissexualidade de Virginia e do grupo de Bloomsbury.

               Para terminar, mas uma citação de Doris Lessing: “sem ela, sem James Joyce ( e eles tem mais em comum do que ambos teriam gostado de admitir) nossa literatura teria sido mais pobre”. Perdão Doris, mas, Joyce, esse não!  Não consegui passar da vigésima página do seu famoso “Ulisses” dos “Dublinenses” ou “Do artista quando jovem”. Tudo bem, sei que nesse ponto você não concorda comigo. Que se há de fazer? Nem tudo é perfeito.
                                                
                                                Um grande abraço. Alberto.

 
Alberto Soeiro
Enviado por Alberto Soeiro em 16/04/2012
Reeditado em 16/04/2012
Código do texto: T3616511