Ultima carta?

Quando seu sobrinho me falou que iria me apresentar uma tia, pois eu estava só, e sempre falando em querer arrumar uma namorada, pensei que iria ser mais uma que não iria gostar, e se ficasse, só por ficar, seria apenas por poucos dias.

Fui apresentado a voce, e qual não foi minha surpresa, quando a vi, naquele vestido simples e florido, cabelos rebeldes, sandália no pé, me sorrindo, aquele sorriso que sempre me cativou e que sempre a torna bela, mexeu comigo, deu uma balançada, e naquele momento, sem querer, ja havia decidido que a queria para mim.

Depois o primeiro encontro na casa de sua irmã, lembra?Após o almoço fomos à garagem conversar, e conversa vai e vem, acabamos nos acertando e dando o primeiro beijo. Fazia tempos que não beijava, e depois daquele beijo, não pensava muito em relacionamentos nem em consequências. Aquela sua boca carnuda, sorriso lindo, jeito de menina, olhos de índia, simplicidade, inocência e ingenuidade, me cativaram.

Passaram-se os dias e queria falar para todos que tinha uma namorada e houve a primeira oportunidade quando fomos àquela escola de samba com minha família e parentes. Nossa, como foi ruim a recepção deles para contigo, lembra?Lembra que voce ficou chocada, meio de lado, quase sentindo-se escurraçada por eles? E quando chegamos no carro, a sós, conversando sobre nós, futuro, planos, etc. Voce me querendo e eu já meio influenciado e com medo de me envolver. Quis de todo jeito não continuar com aquilo, mas acabamos terminando na cama.

Parecia que logo logo iria ter fim, que tinha sido uma transa apenas, mas continuamos a nos encontrar e cada vez mais nos envolvendo. E o tempo foi passando e voce foi gostando cada vez mais de mim, até que um belo dia, chegou a declarar que me amava. Foi uma surpresa linda.

Sabia que fiquei muito feliz com aquilo? Acho que em toda vida, nunca havia ouvido uma mulher dizer que me amava e demonstrando realmente, o que expressava em palavras.

Do meu jeito, acho que estava começando a virar amor também, o que sentia por voce, mas covarde como estava, não queria me entregar, talvez querendo esperar. Mas esperar o quê, meu Deus?Medo de se ferir novamente, será?Se tivesse te amado do jeito que me amou, se entregou, sem medo, confiado em mim, feito de mim, seu homem, talvez, essa carta teria um outro conteúdo.

E só um amando, pode ser divino, mas um dia, acaba, pois nossa realidade é bem real, e foi o que acabou acontecendo, voce deixando, ou mostrando, que não me ama mais, fazendo nossa relação andar em uma corda bamba, há muito tempo. E por isso, temos que ter essa conversa, pois, em um relacionamento não pode haver dúvidas, suspeitas, mais dores do que alegrias, etc.Tem que fazer mais bem do que nem um mal, até.

Nem entrei ainda no que realmente quero dizer, e meu coração, ja está palpitando, trazendo uma sensação de tristeza, de perda, impotência, saudade; loucura, pois não sei dar nome a esse sentimento.

Mas, o quê realmente aconteceu para eu estar assim, se voce ainda não decidiu na prática, me deixar de vez? Talvez, esse fantasma da separação, que sempre paira sobre nós, agora esteja mais próximo e cobrando uma decisão, eu ja esteja me preparando antevendo o desfecho.

O que aconteceu conosco, afinal?E voce, quando foi que deixou de me amar?Quando penso nisso, fico tão triste; voce era tão meiga, tão doce, aquele teu sorriso tão lindo, que me fazia tão feliz e orgulhoso, a ponto de querer falar para os outros homens que passavam:"Esta é minha namorada, linda não?Em que ponto do caminho, deixei voce andar sozinha, sentindo-se sozinha, apenas com seu amor?Em que ponto desta terrível estrada, andei sozinho com meus monstros, sem te dar a mão?Egoísta, não a deixei se aproximar e conhecer meus bichos para juntos, tentarmos vencê-los.

Será que essa distancia que nos separa também teve sua contribuição?Por quê não fizemos nada a esse respeito? E sua família e a minha, por quê não tomamos uma atitude drástica, e juntamos nossos corpos no mesmo teto de uma vez?

O tempo passou e seus próprios medos fizeram com que se armasse e criasse armaduras contra um possível dragão chamado sofrimento, ou mais hediondo ainda, um exército de soldados vis como a dor, desilusão, solidão, desanimo, baixa auto-estima, medo, ódio,etc. E nessa arregimentação para defesa, acabou me exibindo outro soldado de batalhas cruéis, frio, forte, insensível, intransponível, calculista. E eu, com meus medos, covardias, indecisões, traumas, vi esse soldado e tremi, mesmo sabendo que por baixo dessa armadura, ainda existia aquela minha indiazinha, meiga, terna, simples e quem sabe até, um pouco daquele amor que tanto me fez feliz; aquele amor que mesmo enxergado por tão pouco tempo, é o que vai ficar registrado nesse meu coração desconhecido, forte e frágil.

Passei a ver só essa "mulher soldado" forte e sem medos, me falando que eu poderia fazer o que quisesse, que não se abalaria, não sucumbiria, e se sofresse, seria por pouco tempo.

Minha visão não estava mais conseguindo ver, e meu coração armado e desarmado não conseguia mais atravessar essa armadura, tão grossa e poderosa ela se tornou e ainda continua no processo de transformação.

Voce lutou pelo meu amor, lutou para que eu a amasse pelo menos um pouco de todo o amor que me deu, brigou com a sociedade, batalhou com a família, debateu-se com seus próprios conceitos; tudo acreditando e esperando que um dia, as grossas barreiras que a separavam de seu homem escolhido, viessem a ruir, e viver finalmente o final feliz, tão encenado em sua imaginação.

Chorando, meu coração descobriu agora, que quando ele te abriu as portas, voce ja não estava mais lá; foi um choque.Não entendi. O que sempre quis, estava prestes a acontecer, mas acho que era tarde demais, suas novas armas fizeram com que não acreditasse que eu estava finalmente entregando as armas, me rendendo ao seu amor, pronto a ter um novo começo, real e com amor. Essa nova Helena convocou suas defesas a se levantarem e estrategicamente, prepararam a batalha, supondo que o inimigo estava blefando, que era mais um ardil para ganhar terreno, para continuar com a situação inofensiva em que estava a coisa.

Que pena! Deixei ali minhas armas, naquele triste campo , dei as costas e me preparei para recuar, mas, ali mesmo fiquei, sem estratégias, sem planos, sem ação, esperando; esperando não sei bem o quê. Enfraquecido sentei-me e comecei a chorar, lágrimas, talvez de arrependimento, por não ter sido decidido na hora certa, saudade; daquela que havia me amado, por perder algo que era para ser e não chegou a ser.

Agora, acho que estou apaixonado por aquela mulher que ja não mais existe, aquela em que só consigo sentir e enxergar nas fotografias em que compartilhamos. Agora, amo uma ilusão, uma figura holográfica, que ora ou outra, vem me acalentar em meus sonhos. Como é triste e terrível isso. Não consigo lidar com isso. Minha mente louca e desvairada, quer me pregar uma peça. Não posso mais continuar com isso. Essa holografia está enraizada em voce, então, desligue, e deixe-a ir de vez, para que eu acorde.

A verdade, é que me recolhi e acabei concluindo que talvez não haja mais terreno para batalhar por aquele amor. Meu coração, louco e ferido, refugiou-se novamente em seu esconderijo, e sabe Deus quando ou se sairá algum dia.

E assim, meu amor, acho que talvez isso seja um fim. Não sei bem como é um fim, sempre quis viver o inicio e o meio, talvez por isso, deixei a coisa chegar a esse ponto.

Não sei mais o que dizer, não consigo mais dizer, não consigo expressar o quadro deste terremoto que vai assolando aqui dentro. Não sei.

Só sei que, do fundo do meu coração, peço que me perdoe, nunca foi minha intenção te magoar, te fazer sofrer, te fazer chorar. Puxa, agora lembrando disto, que a fiz chorar até, não aguento; meu Deus, como dói isso, por quê tem que ser assim?

Não consigo nem terminar esta carta. Minha teoria de inicio e meio. Não sei finalizar.

Mas, desculpe minhas metáforas. Não sei e nunca aprendi ser assertivo. Nunca consigo dizer o que tem que ser dito, então fico buscando eufemismos para não atacar diretamente, não magoar, não ofender, sei lá; defeito ou virtude?Voce sempre me tacou na cara que isso era covardia. Que vivo fugindo, que sou imaturo, etc. Talvez seja isso. Não aprendi a ser mal o suficiente como as outras pessoas, que aprenderam com as outras pessoas.

Da minha timidez e complexo na minha adolescencia, tentei me aproximar das pessoas e das mulheres, e fui ignorado, e ali fiquei, no meu nicho, sózinho, observando, e observando aprendi tanto sobre a natureza humana que...deixa pra lá.

Será que aquela mulher ainda pode voltar? Será que essa agora pode parar de brigar um pouco e dar um pouco de ouvidos àquela menina, linda, meiga, sábia, humilde e simples, que eu ja estava amando, sem mesmo perceber?

Será que aquela menina simples não gostaria de jogar tudo para o alto e tentar viver com o menino que ela escolheu?

Talvez a culpa não tenha sido totalmente minha. Essa realidade cruel que atrapalha, que não nos deixa tomar decisões radicais. A razão sempre no final vencendo a emoção.

Então não sei o que fazer, por isso é que fico aqui nesta batalha infernal.

Então não sabendo o que fazer, nem como terminar esta carta, acho que vou terminar por aqui mesmo, talvez dizendo alguma coisa do que queria, ou embolando mais ainda o meio de campo.

Querer ou não querer, eis a questão.