O aluno perfeito

ERA UMA vez um jovem casal que estava muito feliz. Ela estava grávida, e

eles esperavam com grande ansiedade o filho que iria nascer.

Transcorridos os nove meses de gravidez, ele nasceu. Ela deu à luz um lindo

computador! Que felicidade ter um computador como filho! Era o filho que

desejavam ter! Por isso eles haviam rezado muito durante toda a gravidez,

chegando mesmo a fazer promessas.

O batizado foi uma festança. Deram-lhe o nome de Memorioso, porque julgavam

que uma memória perfeita é o essencial para uma boa educação. Educação é

memorização. Crianças com memória perfeita vão bem na escola e não têm

problemas para passar no vestibular.

E foi isso mesmo que aconteceu. Memorioso memorizava tudo que os professores

ensinavam. Mas tudo mesmo. E não reclamava. Seus companheiros reclamavam,

diziam que aquelas coisas que lhes eram ensinadas não faziam sentido. Suas

inteligências recusavam-se a aprender. Tiravam notas ruins. Ficavam de

recuperação.

Isso não acontecia com Memorioso. Ele memorizava com a mesma facilidade a

maneira de extrair raiz quadrada, reações químicas, fórmulas de física,

acidentes geográficos, populações de países longínquos, datas de eventos

históricos, nomes de reis, imperadores, revolucionários, santos, escritores,

descobridores, cientistas, palavras novas, regras de gramática, livros

inteiros, línguas estrangeiras. Sabia de cor todas as informações sobre o

mundo cultural.

A memória de Memorioso era igual à do personagem do Jorge Luis Borges de

nome Funes. Só tirava dez, o que era motivo de grande orgulho para os seus

pais. E os outros casais, pais e mães dos colegas de Memorioso, morriam de

inveja. Quando filhos chegavam em casa trazendo boletins com notas em

vermelho eles gritavam: "por que você não é como o Memorioso?"

Memorioso foi o primeiro no vestibular. O cursinho que ele freqüentara

publicou sua fotografia em outdoors. Apareceu na televisão como exemplo a

ser seguido por todos os jovens. Na universidade, foi a mesma coisa. Só

tirava dez. Chegou, finalmente, o dia tão esperado: a formatura. Memorioso

foi o grande herói, elogiado pelos professores. Ganhou medalhas e mesmo uma

bolsa para doutoramento no MIT.

Depois da cerimônia acadêmica foi a festa. E estavam todos felizes no jantar

quando uma moça se aproximou de Memorioso e se apresentou: "Sou repórter.

Posso lhe fazer uma pergunta?" "Pode fazer", disse Memorioso confiante. Sua

memória continha todas as respostas.

Aí ela falou: "De tudo o que você memorizou qual foi aquilo que você mais

amou? Que mais prazer lhe deu?"

Memorioso ficou mudo. Os circuitos de sua memória funcionavam com a

velocidade da luz procurando a resposta. Mas aquilo não lhe fora ensinado.

Seu rosto ficou vermelho. Começou a suar. Sua temperatura subiu. E, de

repente, seus olhos ficaram muito abertos, parados, e se ouviu um chiado

estranho dentro de sua cabeça, enquanto fumaça saia por suas orelhas.

Memorioso primeiro travou. Deixou de responder a estímulos. Depois apagou,

entrou em coma. Levado às pressas para o hospital de computadores,

verificaram que seu disco rígido estava irreparavelmente danificado.

Há perguntas para as quais a memória não tem respostas . É que tais

respostas não se encontram na memória. Encontram-se no coração, onde mora a

emoção...

Wagner Ribeiro - Rastreados de Frotas

" O único lugar onde o sucesso aparece antes do trabalho é no dicionário."

Albert Einsten

Wagnerribeiro
Enviado por Wagnerribeiro em 25/01/2007
Código do texto: T358044
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