De lugar algum
De lugar algum,
Amor,
Se pudesse me dar a alegria de sua presença talvez eu não lamentasse tanto a ausência. Ausência esta que me preenche nesse lugar em que existo incompleto, incerto, discreto. Não sei onde estou... sei que a minha liberdade há tanto desejada fez de mim perdido, na vontade única e exclusiva de pertencer a você. E onde você está agora? O desespero me invade pela falta de notícias, não sei onde estou, não sei onde você está, a mercê do tempo me vejo nesse quarto branco, sem luz, porque quando ela se faz os olhos parecem queimar como brasa e me escondo sob o travesseiro. Só tem uma cama, uma janela e esse pedaço de papel no qual lhe escrevo na esperança de que me resgate desse lugar vazio.
Hoje eu acordei com gritos desesperadores, tem mais gente aqui, mas ninguém apareceu para me abrir a porta. Há tantas rachaduras nas paredes, marcas de sangue pelos cantos, um cubo branco marcado de dor. Como vim parar aqui, amor? Por favor, você tem que me responder... alguém tem que me responder! O que fiz para ser preso nesse lugar? Eu preciso sair daqui! Me tira daqui!...Ouvi um estrondo, amor, de onde vem? Eu olhei pela janela, mas só têm árvores lá embaixo, um homem andando de um lado pro outro em movimentos neuróticos, cada passo direcionado, retilíneo... Está sufocante aqui, eu mal consigo respirar.
A última coisa da qual me lembro foi do nosso encontro, você naquele vestido azul marinho, os cabelos escorridos pelos ombros, estava linda! E a gente estava numa festa...sim, um festa! O aniversário do seu irmão, até que...eu não me lembro, amor. O que aconteceu naquela festa? A minha última lembrança é de lá, e acordo aqui nesse lugar de horror. Que dia é hoje? Abriram a porta! Uma mulher entrou aqui, amarrada numa cadeira...
Eu cheguei perto dela mas ela tentou me morder, ela fica repetindo “tira! tira! tira! tira!” mas algo me diz que não posso. Porque nesse quarto, justamente onde estou? Uma sombra na parede, não a tinha visto antes, não, é um desenho, um desenho de um rosto feito a carvão, como não notei antes? Ah, eu bebi muito naquela festa, do seu irmão... eu fiz o brinde! E depois amor? E depois...
Eu ouvi uma voz, eu estou com medo... dizem que eu sou o próximo, amor. O homem que andava lá embaixo apareceu na minha janela, quebrou o vidro e soltou a mulher, que pulou da janela junto com ele. E se pensarem que fui eu? Eu sou o próximo. É isso! Eu era o próximo a jogar sinuca, eu e você, se lembra? Você joga tão bem! Mais desenhos apareceram na parede, são anjos negros, em carvão... Comecei a escutar mais gritos que não cessam. Cala a boca! Cala a boca! Por que ficam gritando, amor? Por que?!
Eu caí naquele dia, na festa? Tem um ferimento na minha testa... seu irmão! Seu irmão me deu um soco! Porque ele fez isso, amor? O que eu fiz? O que eu fiz? O que eu fiz? Me responda! Quero sair daqui! “tira! tira! tira! tira!”. A porta se abriu! São três homens negros e altos, outro, mais atrás, alto e alvo, uma prancheta a mão. Anda de um lado para o outro. É a minha vez...