CARTAS DE AMIGO-I

São Paulo 30 de Abril de 1881

André Lobo,

Obrigado meu amigo, faltam-me as palavras para agradecê-lo pela correspondência. Hoje antes de embarcar para Campos de Jordão, pude ler com afinco suas palavras de esperança e ternura. Agradeço-o, e, contudo sinto-me no momento extremamente ansioso para iniciar o tratamento receitado pelo doutor Felipe, já que anteriormente o mesmo já me alertara sobre as faculdades medicinais do ar do campo para amenizar os efeitos devastadores da tuberculose.

Meu pai já de antemão providenciara minha viagem e no mais tardar hoje ao pôr do sol estarei embarcando com o coche rumo à cidade de Campos de Jordão. Sinto-me de certa maneira débil por causa da doença que há alguns meses vem me debilitando meu estado físico e mental, contudo creio que ao final das indicações médicas retornarei para São Paulo a fim de retomar as rédeas da minha vida.

Forte abraço.

Rodrigo Kurita

Campos do Jordão 1 de abril de 1881,

Caro amigo André Lobo

A viagem transcorreu de forma tranqüila. Minha saída deu-se às dezoito horas em ponto ao dobrar do sino da Catedral da Sé. Meu criado e eu chegamos a Campos do Jordão se não me falha a memória por volta das duas horas da madrugada. Ao chegar à estalagem onde se encontram as dependências do hospital, fui recebido pelo doutor Felipe, o qual já me aguardava com um breve sorriso no rosto e com certa ansiedade. Após uma conversa breve e calorosa recepção dirigi-me ao meu aposento que se encontra disposto no final de um extenso corredor, com as paredes brancas e com certo odor de cal, o qual segundo as próprias indicações de meu criado serviriam para eliminar a contaminação de um recinto para o outro.

No momento em que lhe escrevo, o almoço está para ser servido, pelo aroma posso afirmar que se trata de uma guisada e alguns legumes fervidos no vapor d’água. Não tenho fome, pois a febre há poucas horas se dissipara e permiti-me escrever-te estas linhas. Tenho percebido que nos últimos dias toda manhã esta vil e maldita companhia me efervesce as têmporas e prostra-me. Preciso repousar e recobrar a pouca energia que me resta.

Rodrigo Kurita

Campos do Jordão 4 de abril de 1881

André Lobo,

Perdoe-me pela ausência nos últimos dois dias. Presenciei nos últimos dois dias um fato desagradável, o qual tem perturbado meu espírito e minha mente. Decerto é rotina neste antro hospitalar perceber-se a presença mediúnica da morte a nos espreitar em nossos próprios leitos de sofrimentos e angústias.

Ontem à tarde, quando o sol já se erguia bravio no céu azulado ocorreu o fato que se não fosse trágico seria digno de uma nota exacerbada de romantismo. Pois bem, havia em meu quarto além de mim certo senhor cujo nome se não me engano chamava-se D. Este senhor já consumido pelo tempo e com sulcos da velhice em sua face era um dos novos pacientes do doutor Felipe. Como me contara há um dia, sua internação no hospital durara exatamente um mês, e neste espaço de tempo, percebera que sua estafa física e de saúde não melhorava. Mesmo sendo receitados diversos antibióticos para sua recuperação, seu organismo parecia não reagir à inclusão desta nova terapia rotineira. Pobre coitado! Sofrera de um mal-súbito na madrugada anterior e entrará em um estado crítico de sofrimento. Durante o silêncio da madrugada eu ouvia seu esforço aterrorizante para respirar. Faltava-lhe o ar, o oxigênio parecia escapar de seus pulmões e retornar de onde vieira. Seu desespero era como um silvo do cisne a beira da morte. Suas pálpebras se contraíram e sua fronte jazia pálida e um suor frio banhava-lhe a testa orvalhada na febre. Neste ínterim, com dificuldade acendi uma lamparina e pus-me a andar pelo corredor em uma tentativa de encontrar uma enfermeira ou um médico que acudisse o condenado de sua sentença.

Avistei um vulto caminhando silenciosamente pelo saguão de entrada e pelo infortúnio do destino era senão uma enfermeira. Prontamente a mesma atendeu ao meu pedido de socorro e seguiu comigo ao meu quarto. Ao avistá-lo percebeu prontamente o estado grave no qual o senhor se encontrara e solicitou imediatamente a presença do doutor Felipe; o qual muito prestativo mesmo cambaleante pelo sono que o consumia de imediato surgiu na entrada do recinto conforme eu percebi pela aparência dos contornos corporais.

Levaram-no o pobre D. em uma maca para outro setor do hospital e pelo pouco que vi, tentaram medicá-lo,porém a situação era irremediável. Estava morto. Aquilo provocou em mim um misto de horror e auto-piedade pelas almas que vagueiam pelo purgatório terrestre como eu. Que fizemos nós? Para merecermos tamanho castigo? Não saberia responder a ti meu amigo. Apenas creio que mesmo com o avanço da medicina, estaremos sempre fadados ao fracasso e a morte é apenas o caçador a nossa espreita na estrada da vida.

Campos do Jordão 7 de abril de 1881

André Lobo,

Faz frio. Uma chuva torrencial cai defronte à janela. Sopra ao norte um vento gélido e cortante. Já são dois dias que a febre me aprisiona os seus grilhões. Não percebi nenhuma melhora nítida em meu estado atual mesmo com os medicamentos receitados. Tornei a me alimentar com certa dificuldade com sopas e saladas. Sinto-me feliz, pois ainda me restam alguns dias no plano terrestre. Uma lágrima brota em meu rosto. Velhas lembranças encharcam meu espírito em um torvelinho de emoções. Tu se lembras da Alessandra? Minha namorada de juventude? Recebi notícias de uma pessoa em comum, a qual me informara que estaria ela grávida de um canalha, sendo que o mesmo fugira com uma meretriz e por assim mesmo a abandonara. Poderia por gentileza confirmar essa notícia? Se por ventura você a ver, diga-a que sinto falta dos tempos gloriosos, nos quais caminhávamos pelo parque de mãos dadas e contávamos segredos íntimos aos pés dos ouvidos.

Também tenho tédio amigo. Distante de meus livros o pesar de toda a melancolia encharca este mancebo na rotina tediosa de dormir, acordar e escrever alguns fragmentos de uma poesia maldita e não lida. Espero confiante que meu martírio não perdure por mais tempo. Da morte nada temo senão, não poder sufocar por dentre as lágrimas um último suspiro inebriante de amor.

opoetakurita
Enviado por opoetakurita em 22/03/2012
Reeditado em 22/03/2012
Código do texto: T3568446
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