*CARTA AO CRIADOR*
Tarefa árdua é justificar meu nome, dada a matéria bruta de que me constituo. Fui extraído das negras entranhas da terra, havendo vários elementos em minha mista composição. Moldado, ganhei imprevista fama. Muitos vêm me ver, sou observado em meus mínimos detalhes. Para que tais detahes houvesse, sofri muitas marteladas, até que adquirisse esta forma, nesta tensa posição, fortes músculos dolorosamente contraídos e tensionados. Sentado, tenho a cabeça abaixada, apoiada em uma das mãos, o cotovelo sobre a coxa.
"Pensar" me justificaria. Tenho que estar a pensar, assim deves ter-me concebido, Criador. Porém, provindo de profundezas e tentar elaborar idéias desse mundo exterior de seres viventes, me consome e dói. Em minha testa, fundos vincos atestam este fato. Posto-me diante do desconhecido e desconhecível. Alguns me consideram "perfeito", palavra cujo significado ignoro, pois penso "perfeição" não passar de mera idéia humana. Desconheço o momento em que tu, meu Criador, deste-me a última martelada no bronze. Terias, por acaso, me considerado "perfeito", ou seria o cansaço de teu constante martelar?
Sei que os seres viventes vêm ao mundo para viverem e sobreviverem o máximo tempo possível. Não é este meu caso, pois não tenho "vida" nem "morte", nem conceito algum sobre "tempo". Fui posto a refletir, profundamente introspectivo, humanas indagações para as quais ainda não se encontraram respostas definitivas: vida, morte, tempo, deuses, dantesco inferno. Creio que os humanos indagam em excesso tais antiquíssimas questões que os atormentam e para as quais não tenho respostas. Apenas possuo semelhança humana, mas não a natureza. Meu corpo nu tem a força bruta, mas minha postura é meditativa; meu outro braço tem a mão sobre o joelho, estaticamente caída, desanimada.
Possuo uma única e, me parece, simples indagação a fazer-te :
- Para que me criaste, Monsier Rodin?
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" A arte é a contemplação, é o prazer do espírito, que penetra a natureza e descobre que a natureza também tem alma." (A. Rodin)
Auguste Rodin (1840 - 1917), escultor francês, especialista em trabalhos em bronze, cujas obras mais famosas são O Pensador e O beijo.
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