NUM CAFÉ DUM MUNDO PUNK
Parei ali para tomar um café e me lembrei de você.
Então escrevi sobre visões compiladas...
Nada há de tão novo a não ser que o céu de hoje foi azul.
Pedi por um café forte porque de todo pó é preciso sentir o sabor da última cinza, qual o grão da terra que resiste sob a força do pilão que soca.
Depois que esperei por ele, que também demorou a chegar, transpassei meu olhar sobre a xícara e me sustentei na fumaça que subia sem rumo só para poder observar, porque para escrever sempre necessito duma plataforma virtual sobre a da vida.
Um punk cruzou a minha frente com pressa, cabelos e olhos vermelhos, no escuro da luz branca.
Alguém elegante nas cãs se apoiou na bengala do tempo e quase me esboçou um sorriso.
Uma adolescente mostrou seus piercings na língua e no abdômen, um tanto surda ao entorno, anestesiada pelo seu ipod de última geração.
Alguém na passarela da moda, já sem hormônios e sem fotoshop, todavia de short bem curto e rasgado, se equilibrou num salto alto trêmulo que parecia um tanto cansado do esforço de já desfilar sem plateia.
Muitos passaram por mim com pressa posto que, neste mundo, não há tempo para se parar para um café da vida punk.
Por último, um homem de chapéu "panamá" sobre parcos cabelos engomados, vestido de terno bege de linho puro que balouçava sobre seus sapatos de verniz preto, passou e repassou por mim várias vezes depois que saiu da livraria. Vinha de bem longe quando nos cruzamos no olhar e parecia querer me dizer algo.
Talvez me desejasse boa viagem.
Só eu percebi que ele brevemente ali saíra dum livro a se ir...ir...ir...página a página, sem destino certo.
Ao meu lado alguém pediu um "banana split" algo diet, com adoçante, porque no seus últimos dias a glicemia subiu.
Fiquei com medo daquela bomba de sorvete explodir sobre mim.
Depois abri o jornal: de fato alguém explodiu, um prédio explodiu, o Egito eclodiu, um marido fugiu, uma moça pariu, um nenê sucumbiu, o planeta ruiu, mas uma criança sorriu, ao mesmo tempo que Rita Lee se despediu do colapso, cada vez mais punk.
Apenas aquele bebê da "propaganda do banco" foi quem me gargalhou no silêncio do jornal e então eu pedi pelo adoçante.
Senti que há tempos que é preciso gargalhar com a ingenuidade das crianças ainda que depois adocemos o café amargo só com doces gotas fictícias .
Pedi a conta, sempre desproporcional ao consumo.
Depois respirei fundo para melhor degustar o "expresso blend" da vida.