"A tonga da mironga do cabuletê". Vinícius de Moraes e o que levou à aposentadoria forçada - comentário, aproveitando um texto de e-mail...

"A tonga da mironga do cabuletê". Vinícius de Moraes e o que levou à aposentadoria forçada - comentário, aproveitando um texto de e-mail...

Caríssima N. É um texto bem interessante, embora dele não conste a autoria.

Já ouvi e cantarolei esta música (ou pelo menos seu refrão) não sei quantas vezes, sem ter ideia certa de seu significado, embora intuisse que fosse algo no sentido, que afinal, se revela no texto.

E a parte da letra que eu mais gosto é esta:

“...Você que lê e não sabe/

Você que reza e não crê/

Você que entra e não cabe/

Você vai ter que viver/

Na tonga da mironga do cabuletê..."

E se a tradução do último verso é mesmo esta ("...o pelo do cu da mãe..."), Vinícius de Morais abriu mão de sua habitual cordialidade para mandar um recado grosso e muito malcriado para alguém - segundo o texto, os militares, que dditavam as ordens no governo do Brasil à época.

Para chegar a tanto, ele - que era dono daquela fidalguia na convivência e fina elegância com as palavras e versos, parece que ele queria responder a alguém na altura em que se sentia ofendido. Mas, se a questão era com a cúpula do governo militar, será que ele teria tanta razão, assim?

O que eu acho sobre as quizilas entre os militares e Vinícius de Morais:

Vinícius de Moraes era diplomata de carreira. Tinha, portanto, o salário pago com o dinheiro dos contribuintes e ocupava um cargo de alta relevância pública, na alta administração da União - com sua inteligência, cultura e simpatia, poderia fazer a diferença, na diplomacia brasileira, independente do governante, com fizeram, por exemplo, Aluízio Azevedo, João Cabral de Melo Neto e, Guimarães Rosa.

Lá pelos fins dos anos 60, em vez de cumprir com as obrigações decorrentes do seu importante cargo, ante às exigências da carreira artística e da vida boêmia, praticamente o abandonou, em favor daquelas (sem ter renunciado, até onde eu sei, aos proventos decorrentes). Se não me engano, Vinícius chegou a abandonar uma missão diplomática na Europa, por conta de sua determinação neste sentido.

Sabemos pela nossa história literária que os boêmios letrados eram uma espécie de estirpe que retrocedia a várias gerações da intelectualidade carioca, que ainda resistia com bravura àquela época. Mas, seria difícil sustentar que Vinícius de Moraes não foi irresponsável com seus deveres funcionais, que, pela gravidade e reiteraçaõ, bem poderiam resultar em demissão do cargo. Neste sentido, creio mesmo que ele até escorou-se em sua consagração e fama, para fugir de suas obrigações.

Os militares são, como todos os homens da caserna, aferrados à ordem, normas e o que chamam de "cumprimento do dever". E parte do programa de governo de governo dos militares era, como eles faziam questão de anunciar aos quatro ventos, impor o que se denomina de "moralidade pública". Por isto mesmo, deviam achar a conduta do diplomata Vinícius de Morais inaceitável.

Ora, ele era servidor da alta administração da União, e não dos governos militares. De toda forma, se não aceitava a exercer as atividades de seu cargo sob a orientação dos governos militares, me parece que o correto seria a apresentação de um pedido de demissão.

A birra dos militares, portanto, não era exatamente com o conteúdo das músicas das letras de Vinícius de Morais (por tanto, o músico Chico Buarque, seu amigo, foi muito mais acossado e perseguido) ou com o convívio de Vinícius de Morais com o pessoal da área cultural relacionado com os movimentos de esquerda, mas, especialmente com o comportamento imoral do poetinha com o emprego público que tinha. Era algo inconciliável, eu acho.

Há uma história curiosa e hilária, a respeito:

Magalhães Pinto, que salvo engano, era o ministro que comandava o Itamarati à época, recebeu um curto memorando do Presidente Costa e Silva, onde se lia: "Assunto: Vinícius de Morais. Demita-se este vagabundo. Assinado: Arthur da Costa e Silva"...

Tempos depois, com a baixa do temível (e terrível) Ato Institucional nº 05, Vinícius de Moraes foi aposentado compulsoriamente. E fico pensando se alguém intercedeu junto ao governo em favor do poetinha, pois não faltavam motivos de natureza administrativa para que o processassem e demitissem a bem do serviço público.

De qualquer forma, em termos de comportamento, Vinícius de Moraes não foi um exemplo muito feliz de servidor público. Ppor tudo quanto cercou o caso, a aposentadoria parece ter sido muito mais foi decorrente de sua conduta funcional do que propriamente resultado de ativismo político ou aquilo que o governo considerava de atitudes ou condutas antipatrióticas - o que indica, inclusive, o uso equivocado ou, por assim dizer, inapropriado das prescrições do AI-5, no caso. Mas, naquela época, se sabe, era difícil (ou pouco recomendável) alegar e discutir tais coisas com o governo ou quem quer que fosse, até mesmo em juízo.

Uma inferência a respeito: Os militares não pegavam tanto no pé de Tom Jobim, amigo e parceiro de Vinícius - na música e na boemia...

Talento, palavrão e ideologia à parte, quem tinha mais razão na confusão?

No ano de 2010, o presidente da república sancionou a Lei nº 12.265, que promoveu post morten Vinícius de Moraes ao cargo de Diplomata de Primeira Classe (isto é, a última classe da carreira do Itamarati), com reflexos na pensão paga à família. Era o caso? O leitor faça seu juízo.

Mudando o rumo do assunto: se recitássemos o famoso verso da música de Vinícius e Toquinho toda vez que lembrássemos de alguma das mazelas deste país - e as contrariedades decorrentes, ele se transformaria numa espécie de mantra às avessas, dito em nagô e repetido dia e noite, de norte a sul!

Abraços e grato pelo e-mail!"

O texto do e-mail em questão é este:

"VOCÊ SABE O QUE SIGNIFICA A "TONGA DA MIRONGA DO CABULETÊ"?

Lembra da música do Vinicius de Moraes? Então leia abaixo, entenda e veja que interessante! A "Tonga da Mironga do Cabuletê" Isto é cultura!

Realmente eu não fazia a menor ideia do significado. Ano de 1970. Vinícius e Toquinho voltam da Itália onde haviam acabado de inaugurar

a parceria com o disco "A Arca de Noé", fruto de um velho livro que o

poetinha fizera para seu filho Pedro, quando este ainda era menino.

Encontram o Brasil em pleno "MILAGRE ECONÔMICO", que milagre... a censura estava em alta, DOPS, ato 5, torturas... a Bossa Nova em baixa.

Opositores ao REGIME pagando com a liberdade e com a vida o preço de seus ideais.

O poeta Vinicius é visto como comunista pela cegueira militar e ultrapassado pela intelectualidade militante, que pejorativa e injustamente

classifica sua música de easy music. No teatro Castro Alves, em Salvador, é apresentada ao Brasil a nova parceria.

Vinícius está casado com a atriz baiana Gesse Gessy, uma das maiores paixões de sua vida, que o aproximaria do candomblé, apresentando-o à Mãe Menininha do Gantois.*

Sentindo a angústia do companheiro, Gesse o diverte, ensinando-lhe xingamentos em Nagô, entre eles "TONGA DA MIRONGA DO CABULETÊ",

QUE SIGNIFICA "O PÊLO DO CU DA MÃE".

O mote anal e seu sentimento em relação aos homens de verde oliva inspiram o poeta. Com Toquinho, Vinícius compõe a canção para apresentá-la no Teatro Castro Alves. Era a oportunidade de xingar os militares sem que eles compreendessem a ofensa. E o poeta ainda se divertia com tudo isso: "Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem um milico que saiba falar nagô".

Fonte: Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão. Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

TONGA DA MIRONGA DO CABULETÊ

Toquinho e Vinícius de Moraes

Eu caio de bossa, eu sou quem eu sou

eu saio da fossa xingando em nagô

que que ouve e não fala

você que olha e não vê

eu vou te dar uma pala

você vai ter que aprender

a tonga da mironga do cabuletê

a tonga da mironga do cabuletê

a tonga da mironga do cabuletê

Você que lê e não sabe

você que reza e não crê

você que entra e não cabe

você que entra e não cabe

você vai ter que viver

na tonga da mironga do cabuletê

na tonga da mironga do cabuletê

na tonga da mironga do cabuletê

Você que fuma e não traga

e que não paga pra ver

você que roga uma praga

eu vou é mandar você

pra tonga da mironga do cabuletê

pra tonga da mironga do cabuletê

pra tonga da mironga do cabuletê"

* Como referi, não consta o autor do texto original repassado por e-mail.

Mas, o posicionamento ideológico é patente. E o esforço de demonstrar o ambiente autoritário e perseguição política a Vinícius de Moraes e, ainda, a suposta vantagem de sua inteligência em relação a estes, por exemplo, facilmente identificável.

Deixa pra lá. O que eu queria era falar a respeito do motivo capital na decretação da aposentadoria compulsória dele e, ainda, sobre a origem da expressão que deu título à música composta com Toquinho, que encontrei no e-mail acima descrito...