MEU 4º ANIVERSÁRIO NO RECANTO - Carta-depoimento aos amigos recantistas
Em 28 de janeiro de 2008 cadastrei-me no Recanto das Letras e, no dia seguinte, publiquei os primeiros três textos; a partir de 05 de abril comecei, também, a publicar gravações. Desde o primeiro momento fui conhecendo pessoas-escritores, seres humanos maravilhosos que deram e continuam a me dar a honra de suas leituras e comentários.
No mês de outubro de 2008 aconteceu um fato importante (e feliz): a publicação do meu terceiro livro "solo", o “Flores do Outono”, após 19 anos com participações só em antologias. Por outro lado, de 2008 até o presente momento, a vida tem sido marcada por desencontros, rompimentos afetivos, problemas de saúde de vária natureza, mortes repentinas de pessoas queridas, impasses na família e profissionais, além do retorno após duas décadas, de situações espantosas agora levadas ao seu limite, através de confrontos para os quais não tem sido possível vislumbrar a perspectiva de verdadeiros esclarecimentos, nem de efetivas soluções, nem mesmo de qualquer mínimo ressarcimento entre as partes envolvidas (isto só poderia, só poderá ocorrer se surgir, na linha do horizonte, a presença da estrela chamada Perdão, perdão de cada um a si mesmo, perdão de cada um a cada um dos outros todos); em suma: situações de impossível fuga, do esquecimento impossível-mais-do- -que-necessário. O relato que estou escrevendo aqui destas coisas densas e, ao mesmo tempo, totalmente rarefeitas (não posso nem devo explicitá-las, a nenhumas) nada constitui senão desabafo com claríssima função catártica – não busco consolo porque a dor em si, pelo mero fato de existir, não confere mérito a ninguém. Só consegue mérito efetivo quem aprende a lidar com ela, dor, assim como quem a transcende, no limite do possível, mérito que meus gestos e passos incertos pouco ou nada conseguiram conquistar nestes quatro anos, em razão de certa “paralisia” da vontade, como consequência do que alguns espiritualistas chamariam de “precipitação do karma”.
Confidencio tais coisas apenas para dizer que a "leitora" Zuleika teve, no seu primeiro ano, duas fases distintas: na primeira, participou do site de modo ativo, lendo com carinho, atenção, empenho, muitos textos dos autores-amigos do Recanto. Na segunda fase que, infelizmente, ainda não terminou, a referida leitora só deixou a desejar e disso se revela profundamente envergonhada, antes de tudo, diante dos seus próprios olhos. Viu durante todo esse tempo muitos dos companheiros do Recanto, mesmo "abandonados", entrarem em sua escrivaninha para leituras,audições e belos comentários. Resumindo: a escritora só tem a agradecer, pela consideração e pelo apreço recebidos; a leitora, tanto quanto a ouvinte, têm que pedir fundas desculpas a todos.
Ler, para mim, constitui ato de natureza superior ao ato de escrever. Ler é, antes de tudo, colocar-se em contato amoroso com o texto do outro. Estou na busca de voltar a ser a leitora que já fui, a leitora e a ouvinte que me almejo, para poder retornar plena aos textos publicados nos livros e aos textos de vocês, amigos, assim como aos seus áudios; retornar às leituras e audições com todo o cuidado e a atenção a que eles fazem jus. Também para isso venho tentando reencontrar-me emocionalmente, assim como à força das pernas, assim como à paixão pela vida, que se enfraqueceu, demasiado, sobrevivente a mim mesma que tenho sido.
Chega sempre um tempo de se fazer inventário... ou mesmo simples balanço, para se levantar as perdas e os ganhos...enfim, seja lá o nome que se lhe dê, o tempo de reunir as múltiplas peças, no presente caso as peças de uma escrita que se foi tecendo meio a esmo, ao longo de mais de trinta anos.
Convenhamos que não é tempo desprezível. Por outro lado: é tempo suficiente para definir os traços próprios de uma linguagem? No caso de muitos outros autores tenho a certeza de que sim, é tempo suficiente; no meu caso talvez tenha sido o tempo necessário para delimitar um campo de possibilidades, logo, também os limites linguísticos além dos quais minha escrita não tem recursos para se aventurar.
Quando comecei a publicação desses textos no Recanto, em 29 de janeiro de 2008, não tinha qualquer plano pré-estabelecido. Hoje me dou conta de que fui criando um percurso aleatório para eles, textos, principalmente sob o ponto de vista cronológico: um poema de 1989 torna-se vizinho de um conto escrito em 1993, tanto quanto este segue ao lado de uma crônica de 2010... e assim por diante.
Devo dizer de meus textos que talvez não passem de fragmentos para um caleidoscópio. Ora, as imagens de um caleidoscópio se desmancham e se desfazem a cada mínimo movimento da mão. Será esta uma metáfora que os defina bem, aos meus textos? Nesse caso, eles compõem uma descontinuidade no tempo e no espaço, apenas reunião de peças soltas, sem coerência nem pontos em comum.
Há os de ingenuidade ou de mero desabafo emocional de momento, que se revezam com outros - permito-me dizer - de intrincada elaboração de linguagem os quais, por sua vez, se mesclam aos que ficam no meio do caminho, o que equivale quase a dizer que ficam em caminho nenhum. Alguns chegam a múltiplos leitores; vários chegam a quase nenhuns. Há os que aprecio e que são aceitos com reservas; há os que, publicados por mero acaso, caem na preferência dos leitores; por fim, existem os felizes que caem tanto no meu gosto pessoal quanto no gosto coletivo. Certos textos considero literatura, mesmo literatura de boa qualidade; grande parte deles excluiria desta classificação. Afinal: sou realmente poeta? Haicaísta? Prosadora? Definitivamente, meu caminho interior não é o das certezas.
Como disse no início, desde 05 de abril de 2008 venho publicando também gravações em que canto, à capela, lindas músicas do cancioneiro popular, além de fazer leituras de textos meus e de outros autores, estes sim legítimos criadores de linguagem, alguns consagrados. Finalizando, faz-se necessário dizer que tenho conquistado, proporcionalmente, mais ouvintes do que leitores. Minha gratidão a todos.
Considero o Recanto das Letras um espaço fantástico, porque democrático, aberto a todas as escritas e a todos os leitores. Se tivesse que me definir, me reiteraria – já o afirmei neste texto - como uma pessoa que almeja, mais do que tudo, tornar-se uma boa leitora, a começar de seus próprios textos (não é fácil nem simples ser bom leitor dos próprios textos). Ser uma boa leitora não é pouca coisa, pelo contrário: a leitura é a nossa grande mestra, a mestra que, ao nos mostrar a multiplicidade de linguagens dos outros seres nos ajuda a clarear o alcance e os limites da nossa própria linguagem pessoal.
Muitíssimo obrigada, amigos do Recanto, pelas partilhas ao longo desses quatro anos. Pretendo que elas prossigam, tais partilhas, afinal, o Recanto tem sido o lugar da publicação da minha “obra”, o lugar onde está o acervo riquíssimo, sempre ampliado, dos trabalhos de vocês, o lugar onde “trocamos nossas figurinhas” com liberdade, aprendizado e prazer.
Abraço grande, de muito carinho, a todos e a cada um.
Na noite de 28 de janeiro de 2012,por Zuleika dos Reis.