RETORNO

Minha doce amiga.

Muito tenho para partilhar contigo de tudo que se passou comigo, em todo esse tempo de ausência. Antes, porém, preciso redimir-me e e pedir perdão, por haver passado tanto tempo sem dar-te a atenção a que fazes jus e que eu, tão distraidamente negligenciei. Afinal, tens sido sempre uma amiga tão amável, compreensiva..., e mereces todo carinho do mundo.

Perdoa-me, por haver-me afastado de ti; por haver-me estado tão absorto em busca de meus interesses a ponto de deixar-te à margem da minha própria história, que também é tua. Mas, em tempo, eis-me aqui, para reparar esta minha grande falta. Faço-o, contudo de coração aberto e cincero, como ao pai o filho desgarrado, na certeza absoluta de que me perdoas e me esperas.

Desde que parti, perambulei por lugares diversos, perseguindo sonhos alados, colhendo algumas flores, pisando muitos espinhos. Tudo, porém, fiz no desejo de encontrar a felicidade e o prazer.

Nessa busca, mais vezes chorei do que sorri, disse bem mais adeus do que acolhi; mas não posso me lamentar, pois o que está feito, está feito. Houve, afinal, vezes em que fui feliz. Sim, encontrei, nas veredas por ondei, muitas almas delicadas que dividiram comigo alguns momentos alegres. Vivi instantes de intenso prazer, de largos sorrisos e ledas venturas.

Mas talvez me perguntes: __ Meu caro amigo, e a tal felicidade que tanto procuravas, que te fez deixar-me para buscá-la, não cruzaste, por ventura, com ela nos rincões que percorreste?

Devo dizer-te que encontrei-a, certamente. E mais ainda, é a criatura mais linda que já pude contemplar com estes meus tristes olhos. Ela possui espáduas morenas, como uma noite enluarada; sobre elas nagras madeixas ondulantes tremulavam ao sabor da brisa, espargindo um perfume inebriante; dos seus olhos de âmbar vertem uma alegria melancólica e uma doçura inefável. Seu sorriso é encantador como uma visão celeste e a sua voz mais parecia uma ária entoada por um coro de loiros anjos, no empíreo sacrossanto; seu andar é o desfilar da própria formosura, revelando traços e curvas tão perfeitos e atraentes que bem provocaria a inveja de Vênus, a mais bela deusa do Olimpo.

Então, finalmente és feliz. Poderias concluir.

E é certo que o sou. Mas é preciso compreender que, mesmo sendo perene, a felicidade é inconstante. Sendo ela feminina, às vezes nos toma de assalto, nos invade e nos seduz; e, quando estamos embriagados dela, então, não percebemos como se nos escapa por entre os dedos, feito areia fina; como água que nas mãos não pode ser contida.

Ela é como a brisa que nos toca a face, nos acaricia e nos refresca, mas não pode ser sentida se não estiver indo-se de nós. É mister compreender os movimentos de chegada e partida da felicidade, para não incorrer no mesmo erro dos incautos, para quem a felicidade é feita de momentos desconexos e que, por essa razão, sempre buscam possui-la e nunca podem, porque a felicidade não se deixa possuir por completo neste plano. Ela é como um rio cuja existência só é possível enquanto houver corrente, e do qual jamais se pode tomar para si senão uma pequena porção.

Assim, doce amiga, se concluis que sou feliz não erras, porém, o sou tão somente para servir como prova de tudo quanto eu disse a pouco sobre a felicidade; pois aquela imagem divina que descrevi foi para mim como um licor delicioso, cujo sabor e doçura impediram-me de perceber que estava ébrio e confuso, incapaz de notar que ela, a felicidade, estava ali, dando-se a mim como um presente a que eu fazia jus, mas que, ante as muitas formas e possibilidades em a via fui inseguro e perdi-me num labirinto de decisões que eu não pude tomar. Foi assim que vi aquela felicidade afastar-se cada vez mais, esvanecer-se como a bruma matutina ao calor do sol; foi assim que, embora estando diante dos meus olhos, só a percebi quando já ía longe.

Compreendi que a felicidade é um rio que corre eternamente a nossa frente e que dessa água, tão desejada, não se pode ter senão apenas uma parte. Portanto, se tomarmos nas mãos um pouco dessa água e continuarmos a olhar para a correnteza que se distancia esse pouco se perderá; porém, se bebermos rapidamente como se fosse a única porção que nos resta, então, nos saciaremos, pois não importa o quanto dessa água passa por nós, apenas um pouco nos matará a sede; e, sendo um rio sempre haverá mais vindo em nossa direção. Dessa forma, sou feliz, pois estou dentro desse rio, mas não possuo a felicidade porque não é possível beber toda água que ele jorra.

Contudo, essa não foi a principal lição que aprendi nas minhas andanças. Meu maior aprendizado, enquanto estive afastado, percorrendo ínvio caminhos, foi descobrir o quanto tu significas para mim e quanto estava sendo ingrato contigo; e foi esse despertar que me fez procurar-te para restabelecer o nosso vínculo de amor.

Amo-te, eis tudo. Amo-te imensamente, desmedidamente e com toda a força de um coração que somente pela tua presença pulsa, que sem ti não subsiste e sucumbe. Amo-te além da razão. Amo-te acima de tudo, mais que àquela felicidade morena que tu mesma me permitiste conhecer e amar. Desejo-te loucamente, ardentemente, como meu único motivo para existir. Desejo a tua presença e companhia como o ar que respiro.

Sei que por muitas vezes tenho-te por tediosa e complicada; que com frequência irrito-me contigo, quando não te apresentas segundo minhas vontades e meus caprichos. Mas, apesar de mim, minha amiga, amo-te e quero-te cada vez mais.

Perdoa minhas rabujices. Perdoa-me pelas vezes em que fixei os olhos nas oportunidades que se perdiam na correnteza da existência e não percebia que do outro lado havia uma fonte jorrando delícias. Perdoa-me pelas vezes em que me aborreci contigo só porque não estavas linda como eu a queria; porque estavas desarrumada, despenteada e mal vestida. A culpa era minha, sempre foi. Pois era eu, o amigo que tu amas, quem deveria cuidar de ti, pentear-te os cabelos e te escolher o vestido mais belo, o adorno mais apropriado; enfim, era eu quem devia fazer-te feliz.

Mas eu, em vez de assim proceder sempre, parti; vaguei alhures, ora cantando, ora em silêncio, por vezes chorando e falando à esmo; até que uma saudade muito aguda tocou-me a profundeza da alma e fez-me volver para ti. Foi então que percebi o mal que te causava.

Imaginei o teu rosto envolto em uma névoa de solidão; teus olhos tristes como os da amada magoada. Vi num instante duas cristalinas lágrimas amargas brotarem do teu olhar tão meigo e terno; ouvi um soluço arrancado do recôndito da tua alma amante. Então decidi voltar.

Aqui estou, amor meu... para enxugar o treu pranto, para tomar as tuas mãos entre as minhas mãos e aquecê-las, e beijá-las .

Quero estar sempre a teu lado, para fazer de ti a amiga mais amada e mais linda; contigo quero saborear cada porção de felicidade que houver, rir contigo cada riso, partilhar cada emoção.

Haveremos de ter momentos de aridez? Provaremos alguma dor? Por certo. Mas estaremos juntos; morarás comigo em minha casa e eu mesmo cuidarei para que nada te falte. Serei sempre teu e tu serás minha, sempre. Quero todos os dias cobrir-te de beijos e afagos, abraçar-te como a uma irmã, acariciar as tuas faces com leves beijos e aquecer-te com meu abraço quente. Quero que te sintas amada e protegida, que possas, inclinada em meu peito, dormir um sono profundo e tranquilo e sonhar sonhos maravilhosos, na certeza absoluta de que nunca mais te deixarei sozinha.

Juntos, tu e eu, percorreremos todos os lugares, bebendo aqui e ali gostosas taças de alegria, a começar por esta de nos reencontrar-nos. Subiremos à colina para assistir ao pôr-do-sol e cantaremos com os passarinhos matinais um hino de amor. Viveremos de tal modo felizes que, mesmo dos momentos de aspereza faremos motivos para um poema e uma canção que nos alente a alma.

Já não te disse que te amo? Pois repito-o. Amo-te com a intensidade com que se deseja viver; com uma força capaz de soerguer o mundo. E, apesar de haver-me afastado por algum tempo, pelo que te sentiste só e tristonha, jamais deixei de amar-te. Portanto, peço-te, amada amiga, pela minha falta para contigo, pelo meu descuido com aquela que é a minha própria existência, que me dês por castigo uma prisão perpétua nos teus braços, sob a terna e doce vigilância do teu olhar carinhoso. Quero ser supliciado nas faces pelo azorrague suave dos teus lábios em estalados beijos, e açoitado pelos afagos das tuas mãos cálidas.

Assim, pois, meu anjo lindo, nesse amor recíproco viveremos um para o outro e o nosso juramento será de nunca nos separarmos; seremos apenas um ser, para que a tua alegria seja a minha alegria e o meu prazer seja o teu prazer; e a felicidade que encontrarmos, tenha ela olhos de âmbar ou de verde-mar, será , igualmente, para ti e para mim a expressão máxima do júbilo, ápice do infinito amor que nos une.

Agora, pois, vida minha, deixo, enfim, que te repouses serena no aconchego dos meus braços. Dorme, minha criança, que eu velarei pelo teu sono como uma sentinela sempre alerta e, quando despertares, te levarei a passear por um florido prado, onde cada flor, cada pássaros que cantar, cada movimento, estará gritando o teu nome: Vida, Vida, Vida...!

Abnel Silva
Enviado por Abnel Silva em 26/01/2012
Código do texto: T3463351