Carta de Felício Assunção, um dos personagens do livro "Revirando o passado a espera de um transplante de órgãos"
Meu único amor, como vai?
Eu estou triste e solitário. Apenas um farrapo do homem de outrora. Sei agora que você estava certa em querer engravidar, não sei ainda como poderei lidar com isto, mas vou procurar a ajuda que preciso para conseguir. Você sempre soube como me mostrar as verdades sobre nós e sobre as nossas vidas.
A noite está calma, nem os carros trafegam neste lugar, o que torna ainda mais dolorosa minha saudade. Quando estávamos juntos e eu a esperava voltar pra casa, ficava vendo a rua movimentada, os carros transitando de lá para cá. Quando eu menos esperava, você chegava. Hoje fico a imaginar que você chegará e me salvará de meu martírio...
Desde que nos separamos, sou só lamentos e erros, nada de fato tem graça ou me anima. E tudo o que penso ser minha salvação é ainda mais minha desgraça. Alguns amigos eventualmente me convidam para ir visitá-los, mas não tenho prazer nisto ou em qualquer outra coisa. Somente sua imagem vive à minha frente a perseguir-me. A comida não me desce a garganta, pois ali um nó me sufoca.
A culpa me corrói e mata aos poucos. Se eu tivesse sido forte e não me deixasse levar pelo medo, você ainda estaria aqui ao meu lado. Sou prisioneiro do meu pecado e tudo que mais desejo é o seu perdão, de modo que possa me redimir e demonstrar o quão bom marido eu posso ser.
Se tiver essa chance, você não vai se arrepender um só segundo. Imploro que repense sua decisão e permita-me voltar para casa antes que eu definhe e morra.
Do eternamente seu,
Felício Assunção