Carta intempestiva a um amigo
Caro Amigo,
Quando éramos crianças, frequentemente nos machucávamos, a ponto de precisarmos de cuidados para nossos ferimentos, normalmente recebidos carinhosamente de nossa mãe, mesmo quando ela nos corrigia dizendo: tá vendo, não falei prá você que isso machucava?
Porém, mesmo sabendo que ela nos amava acima de qualquer coisa, procurávamos evitar que ela passasse exatamente aquele remédio que curaria nossa ferida, pois sabíamos que ele provocava uma dor intensa e quase insuportável. Parecia que não mexer na ferida provocava menos dor do que tentar curá-la.
Depois que crescemos, outras feridas nos machucam muito mais, mesmo sem precisar cairmos fisicamente no chão.
Esses tombos são mais doloridos, porque dilaceram nosso coração de tal maneira que ficamos com a impressão de que será impossível qualquer analgésico curá-lo, e, mesmo assim, precisamos continuar a vida como se nada tivesse acontecido.
Essa dor é aquela pedra no sapato que não conseguimos retirar, com a qual temos que conviver durante a caminhada, sem ter noção de qual será a duração dessa jornada.
E como nos tempos de criança, preferimos não aplicar qualquer remédio, pois aprendemos que mexer na ferida dói muito mais.
No entanto, nossa percepção da dor tende a mudar com o tempo, que se encarrega de nos mostrar o remédio: mudar a forma de encarar a dor. A isso, os "especialistas" (que não é o meu caso) chamam de "amadurecimento", nem sempre associado à idade cronológica.
É preciso respeitar esse processo, pois só quando se sente uma dor pungente é que temos noção de que nenhuma "teoria da dor" é válida, pois diferentemente do ferimento físico, as feridas d’alma não possuem cascão que possa ser removido com as mãos... As marcas ficam no coração, e, para removê-las, nem sempre o tempo cuidará com o mesmo carinho que nossa mãe nos dedicava, ainda que ele seja o mais potente analgésico para todas as dores...
Do inoportuno amigo, Ed...