COMPLEXO DE VIRA-LATA

Caro Mayr

Leio na sua coluna comentário sobre a notícia de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso propôs ao seu partido político, que nas futuras campanhas carregue o lema "Yes, we care".

Coisa meio parecida com Obama, sujo slogan era "Yes, we can".

Diz você que se for verdade, seria um absurdo que um intelectual do gabarito do ex-presidente, reconhecido mundialmente, tenha sugerido lema em inglês; como lojinhas de shopping: "Sale".

Seria o fato um sinal de que o partido do ex-presidente sofre mesmo de CVL.

Para quem não sabe, CVL é "Complexo de Vira-lata". Sindrome cultural, diagnosticado pelo nosso festejado escritor Nelson Rodrigues, que nem neurologista era:

"... é a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do mundo... o brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem".

Bem lembrado Mayr.

O CVL tá mesmo na moda, impossivel não ouvir falar dele em qualquer roda social.

Nelson, que era isso tudo que falam dele e muito mais, escritor e teatrologo metido a psiquiatra/analista da nossa sociedade classe média, nos contos “A vida como ela é”, (publicados no jornal Última Hora, entre 1951 e 1961 - ver seleção de Ruy Castro - Companhia das Letras), gostava de patinar nessa mentalidade tacanha e zombava:

“Ou expulsamos de nós a alma da derrota ou nem vale a pena competir mais. Com uma inferioridade assim abjeta, ninguém consegue nem atravessar a rua, sob pena de ser atropelado por uma carrocinha de Chica-Bon.” (artigo na Manchete Esportiva, 19/5/1956 – do livro “A pátria em chuteiras – Companhia das Letras).

Chica-bon, prá quem não se lembra, era uma carrocinha de sorvete.

Outras vezes, o cronista fazia esforço para elevar a nossa auto-estima e usava e abusava da imagem do futebol:

“Olhem Pelé, examinem suas fotografias e caiam das nuvens. É, de fato, um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado, seria enxotado. Mas reparem – é um gênio indubitável. Digo e repito – gênio. Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los, com intima efusão: “Como vai, colega?”. (idem, crônica de janeiro/1959 – edição especial da Manchete Esportiva).

Essa frustração de não ser europeu, (de lamentar-se como a Mafalda do Quinho: "Justo à mim coube ser eu!), é carcomida principalmente na classe média e nas pessoas que orbitam a sua volta, em reuniões sociais aonde vão em buscar sobressair-se sobre o seu semelhante.

Nada contra, tem a sua utilidade.

Mas são cópias de clubes da sociedade americana. Onde ninguém entra de espírito desarmado e na qual comparecem como numa feira agropecuária para mostrar aos seus pares as suas conquistas materiais como maridos, mulheres, carros, jóias, roupas, etc e tal.

Sem desejar magoar ninguém, são lugares aonde a gente vai gastar um dinheiro que nos falta para se confraternizar com pessoas que a gente não gosta.

Simples assim.

Mas quem aguenta ficar em casa na paz de Deus?

O povo, o povo mesmo, esse que anda de busão, que tem mão calejada, roupa suja da labuta, que cheira a suor, que mata um leão por dia para alimentar a família e se mantem na dignidade, ama, ama muito e por de mais o Brasil e não se sente inferior.

Sei disso, porque é o meu meio social.

E nem poderia ser diferente, porque o Brasil tem uma cultura diversa e maravilhosa.

Tem mazelas, claro.

Mas todos têm.

Importante é reconhece-las, assumí-las e lutar para consertá-las.

Há quem não acredite, mas vem sendo feito.

Quem sofre de CVL, (e ouso incluir pessoas que pelo simples fato de possuirem diploma universitário - muitas vezes conquistados sem nenhum sacrificio pessoal e puramente à custa de dinheiro do pai - se acha no direito de se sentir o "Deus das Coisas", a quem foi negado o Monte Olimpo, sem que tenham feito esforço para galgá-lo.

Cacete, que língua a nossa!, (Galgá-lo !!”).

Conhece o mundo através de pacotes turísticos com roteiro "engana trouxa", de poucos dias, pagos em vinte e quatro parcelas e, nessa voltinha, levados a passear em armadilhas para otários, passam a vida a olhar aquele falso espelho como a realidade e a chamar “excelência” o que é apenas figurado.

Pois bem, se já não me perdi no diálogo, vamos em frente.

CVL é coisa antiga.

Vem lá da época colonial.

“Ajunte-se a isto a natural desafeição pela terra, fácil de compreender se nos transportarmos às condições dos primeiros colonos... não havia pendor a meter mãos destinadas aos vindouros; tratava-se de ganhar fortuna o mais depressa para ir desfrutá-la no além-mar. ... Desafeição igual à sentida pela terra nutriam entre si os diversos componentes da população” (“Capítulos da Historia Colonial” – Capistrano de Abreu – série Pensamento Brasileiro – Editora Itatiaia).

Chega de citação, né !, tá ficando chato.

Daí que isso vem há tempo.

E, de tempo em tempo, aparece coisa nova pra aborrecer quem ama de fato o Brasil e que trabalha por ele e quer deixar para os filhos e netos algo melhor, mais digno e mais igualitário do que recebeu ao nascer.

Não faz muito encasquetaram com Lula e seu modo de falar.

Como se não fosse natural que um presidente que veio do povo falasse a língua do povo.

Mas essa mesma classe, (pseudo erudita, que ama o poeta Manuel Bandeira, mas lamenta que ele não escreva em francês), esquece de ler o seu poema:

“A vida não me chegava pelos jornais nem

pelos livros.

Vinha pela boca do povo, na língua errada

do povo.

Língua certa do povo.

Porque ele é que fala gostoso o português

do Brasil.

Ao passo que nós

o que fazemos

é macaquear

a sintaxe lusíana.”

Também não faz muito, a moeda do real copiou o lema do dólar americano “In god we trust”.

Meteram nela: “Deus seja louvado”.

Tudo bem.

Não creio que a economia vai mudar por causa disso.

Contudo, a nossa geração, a que passou pelas diversas crises e que sofreu os diversos planos econômicos deseja mesmo é que contivesse algo como “Is what God wants”, ou, na nossa saborosa língua: “Seja o que Deus quiser”.

Porque é mais ou menos assim que o patropí é governado.

Pelo menos serviria pra dar risada e, nada na vida vale a pena se não tiver alegria.

Neste comentário não vai critica à Deus e aos religiosos.

Longe disso.

A esse respeito, melhor diz Nelson Rodrigues:

“O sujeito que não acredita em Deus merece passar a vida amarrado a uma perna de mesa, andar de gatinhas e condenado a lamber leite numa velha cuia de queijo Palmira”.

Um abraço e muito obrigado pelo diálogo.

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O blog do Paulo Mayr fica entre os colunistas do IG.

Merece leitura e acompanhamento.

Queijo Palmira era um queijo/requeijão fabricado em Minas, embalado em cuia de madeira. Coisa Brasil; uma delícia!

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Sajob; sem data, porque não sei que

dia é hoje.