Estudo de caso

BsB, 29 de dezembro de 2006.

Ô meu grande amigo como vai essa sua paciência de Jó? Espero que esteja firme e forte, como da última vez em que nos vimos e falamos. Eu ando mais amofinado do que codorna na mandíbula de jararaca. Acho que estou é frito pra não dizer assado. Imagine você que aquela última carta que lhe mandei ficou aqui no meu rascunho, pensei que havia apagado tudo. Minha amada me pegou com a mão na cumbuca, queria saber que estória foi aquela. Quando ela leu “doente de amor procurei remédio na vida noturna” queria me trucidar. Só não me chamou de santo porque aí a coisa ia ficar verde e amarela. Pedi desculpas umas dez mil vezes, mas ela estava irredutível. Quanto mais me questionava mais eu batia pé. Não gostaria que você levasse uma esfrega como essa. Parece que a ferida não fecha, é uma dor lacrimejante.

O que me salvou da degola, foi que ela fez apenas uma releitura superficial da carta. Nada parecido com a que Lacan fez com a teoria de Freud. Ainda assim descartou meus impulsos sexuais, deixou de lado o lance de que eu havia ido a uma boate... Sorte minha. Para lhe dizer a verdade “eu bebi demais e não consigo me lembrar sequer qual é o nome daquela mulher, a flor da noite da boate azul”. Embora digam que Lacan nunca morou fora da França, creio piamente que ele conheceu as Casas Noturnas do Rio de Janeiro, mais precisamente a Boate Azul, pois só conhecendo um ambiente esfuziante como aquele, é que ele poderia afirmar com tanta convicção que a mulher quer ser desejada e não amada. Infelizmente sou obrigado a concordar com ele. E se você me perguntar qual é o meu modelo de mulher preferido, vou responder prontamente: não sei. Acho que ando mais perdido do que pirulito quando cai da tábua, para mim, as mulheres de um modo geral, perderam o ponto de equilíbrio, deixaram de lado a essência feminina. Hoje a disputa por cargos e salários é igual entre homens e mulheres, mas o pior disso tudo é que elas estão se atropelando com as próprias pernas. Quem pensa que os homens estão achando isto ruim, vai cair do pedestal, nessa contenda quem saiu ganhando foram os maridos que deixaram de ser o esteio da casa para dividir com elas a estrutura, o reboco, o telhado, as janelas, as portas e até mesmo os afazeres domésticos, tais como: lavar pratos, passar roupa, levar as crianças à escola. Meu Deus, com isto é bom! Temo que elas descubram tardiamente que a liberdade que elas tanto queriam, não deixa de ser um grande precipício.

Ô meu amigo, desculpe! Minha vida virou de ponta-cabeça, depois daquela sinistra epístola tenho questionado minhas atitudes, meus conceitos e valores. “Quando a noite vai se agonizando no clarão da aurora, nem sei o rumo para onde vou”.

Freud sem sombra de dúvida despertava paixão, não só entre os seus seguidores como também em seus inúmeros desafetos, mas o que encantou Lacan foram a sua obra, os seus legados. O que me cativa em minha amada não é a sua estampa, o seu corpo, a sua beleza estonteante, mas sua capacidade de ver os problemas de um modo diferenciado, por ângulos opostos aos meus. Ela me tem feito ver que a vida vai além dos meus desejos doentios, que vida e morte são perfumarias que vão às mesmas panelas. Segundo ela, morremos a cada instante e a cada dia renascemos ainda melhores e mais amados e/ou, desejados. Ela tem guiado os meus passos todos os dias e, em todos os momentos insiste em olhar dentro dos meus olhos para dizer: “repita comigo - EU-AMO-VOCÊ”. Ela fala com tanta propriedade que às vezes penso que não pode ser comigo e, aí, sabe o que ela diz? “Se você errar não tem a menor importância, começamos tudo de novo, esta lição não se aprende de um dia para o outro nos bancos reluzentes das escolas”.

Eh, meu amigo às vezes penso que sou que nem o "Pequeno Hans". Um menino que precisa ser estudado minuciosamente para que desvendem os meus sonhos e as confusões que fiz ao conhecer a Flor da Boate Azul.

Um grande abraço e Feliz Ano Novo!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 29/12/2006
Reeditado em 05/12/2022
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