Carta Poema
Meu irmão,
neste momento de tua fragilidade
não sei se lhe perdoou
ou se lhe agradeço.
Perdoou-lhe, porque sendo mais novo,
roubaste a afeição de nosso pai
(ela foi dada só a ti).
Feição esta que até hoje me faz falta,
cuja ausência dilacera meu peito,
rasga minha alma
em dolorida carência.
Agradeço-lhe,
pois sendo tu o mimo dele,
eu comia as migalhas
da companhia,
do afeto,
da presença paterna,
que deixavas cair
da mesa do amor
e do carinho,
que a ti servia-lhe.
Se tive o mínimo
da presença dele,
devo a ti!
Lembro-me das ensolaradas manhãs
de domingo em que, ele assentado
no degrau da velha padaria,
tu aproximavas dele
e ao seu lado ficava.
Eu timidamente ia chegando...
assentava-me ao teu lado
fazendo de ti ponte
para sentir-me próximo de Zeus.
Em outras vezes,
quando tu entrava em seu quarto
(câmara real),
para ouvir histórias,
a porta era fechada.
E eu olhando pela greta
(gruta da fantasia)
aquela companhia que eu também queria
lhe invejava.
Queria ali estar,
mas ele achava que eu não era merecedor
(mercador de dor alheia).
No escuro corredor da velha casa
sentia-me sem a luz do amor paterno
(tu me roubavas o prato de lentilha?)
Anos se passaram.
Tu agora no leito da convalescença
e eu no da Poesia
extravasando
mágoas e neuroses,
a ausência sempre presente
do afeto e amor paterno.
Neste momento,
em nome dela,
da Poesia,
mando um beijo para ti,
fazendo de ti, novamente, ponte,
querendo beijar meu pai.
Eu lhe perdoou e lhe agradeço.
Tiveste para ti o papai
(que tanto eu queria também)
E eu tenho a Poesia,
que me faz companhia.
(...e que tu nunca apreciarias)
Assim nascem os poetas e artistas:
Assados em fornos domésticos
e cozidos em banho das Marias.
L.L. Bcena, 30/06/2000
POEMA 510 – CADERNO: GUERRA DOS MUNDOS.