Carta à Camila

Minha doce Camila:

Hoje, pela primeira vez, me deu uma imensa vontade de lhe escrever, me esparramar por esse imenso pedaço de papel em branco. Nunca fiz isso, nem mesmo quando queria, mas hoje as palavras insistem em saltar pra fora, sozinhas, sem esforços.

Sexta-feira passei em frente a sua casa, sabia? Enquanto atravessava a rua e em um rápido golpe de vista pude lhe ver de cabeça baixa, escrevendo. Seus cabelos morenos e lisos voavam contra seu rosto, seus olhos se fechavam levemente e saia um pequeno sorriso em seu rosto, como se estivesse a se comunicar com essa brisa leve, mas isso pouco lhe incomodava. Seu sorriso me faz falta, ainda que não saiba de tal fato.

Quase me entreguei a uma grande vontade de escalar aquelas escadas correndo, só pra tirar o cabelo de seu rosto e fazer com que mostrasse seu sorriso à todos que faziam questão de quase serem atropelados, por se paralisarem apenas por te olhar.

Queria eu receber suas cartas, assim como antigamente. Só porque não as respondi achou que eu não haveria lido, não é mesmo? Ledo engano, ainda guardo naquela velha caixinha de metal enferrujada tudo o que pôde ficar de você. Queria mesmo responder todas, até mesmo aquelas em que comentava sobre seus novos amores fajutos que entravam e saiam de sua vida como um furacão. Mas não o fiz, sei que é forte o bastante para fincar seus pés no chão e não deixar que se leve pela mesma brisa que bate em seu rosto.

Mas escolhi deixar que meu cabelo caísse em meu rosto e evitasse que por algum momento pudesse matar essa minha vontade de olhar pra cima. E trazer de volta aquilo que eu era, mas que eu só era com você. Preferi continuar.

Ainda quase que n'um pequeno impulso eu virei pra trás e marquei novamente em mim aquele seu olhar. Seria como me renovar, fixar-me naqueles olhos claros, fundos, mesmo que ainda me parecessem cansados. Queria ser corajoso o suficiente, como sempre insistiu para que fosse. Poderia eu deixar esse medo de ficar e me restar apenas a vontade de voltar. Quem sabe ouvindo o som doce de sua voz eu não retorne quase que imediatamente, sem pensar duas. Ei, grite meu nome, Camila.

Deves achar ainda que não lembro de suas célebres cantorias, que invadiam e tomavam levemente conta do interior de todos que tivessem a graciosidade de ouvir. E ainda mais quando seu rosto se rosava quase n'um súbito diante de meus singelos elogios. Quando passavas a mão em meu rosto, fazia com que me perdesse e esquecesse até onde estava. Seus dedos finos e alongados traziam consigo uma palma leve, macia, com cheiro daquele creme que eu mesmo lhe dei.

Podia me dar um pouco dessa coragem toda que sempre teve. Ainda me pergunto constantemente porque lutei tão pouco por nós, ou ao menos segurei em seus braços quando havia decidico que fosse embora. Nem ao menos insisti para que ficasse. E mesmo que queira me esquecer, eu estarei aqui, passando quase que todas as sexta-feiras embaixo de sua varanda. Espero que dia qualquer me note e grite para que me faças criar a virtude que sempre me trouxe, ainda que não saibas disso.

Não esperava que lhe respondesse logo agora, não é mesmo? Mas ainda sim lhe trago essas minhas palavras, mesmo que simples para que não ache que eu possa te esquecer como se não houvesse existido. Ainda existe, tanto quanto naquela caixinha de metal com seu nome escrito por suas próprias mãos.

Será que devo lhe entregar a carta pessoalmente?

Beijos,

do seu ainda eterno Bruno.

"Espera" - Acho que ouvi meu nome!

Disritmia
Enviado por Disritmia em 03/10/2011
Reeditado em 03/10/2011
Código do texto: T3255556
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