A FERNÃO CAPELO GAIVOTA

A vida nunca me deveria ter permitido antever a possibilidade de voos tão altos, de voos para os quais, definitivamente, não tenho asas. Se eu jamais tivesse tido a antevisão da existência de paragens de tal altura, me teria resignado, teria poupado deste sofrimento sem tamanho e sem saída estas asas e este voo meu, de pomba que consegue, no máximo, chegar aos telhados mais baixos e próximos.

Ah, vida caprichosa, mesmo cruel, por que me fizeste antever céus a tal ponto impossíveis? Eu compreendo a lição que nos trouxeste, Fernão Capelo Gaivota. Eu sei que falas de outros céus, de céus espirituais, acessíveis a todas as aves, a aves quaisquer, desde que a voar sob obediência à Sua Própria Inexpugnável Vontade de Poder.

Falas de outros céus, Fernão, e eu me refiro a céus daqui, visíveis céus desta dimensão. Ah, Fernão, gaivota querida: para estes mais altos céus daqui, daqui mesmo, não me ficaram direitos sequer a tentativas de ir mais além dos telhados mais baixos e, mesmo assim, só pela imaginação, que minhas asas de pomba estão cortadas; elas foram cortadas, Fernão.

Na noite de 28 de setembro; publicação na manhã de 29 de setembro de 2011.