AO MEU PAI

Pai, hoje a saudade de você tornou-se insuportável, por isso resolvi escrever-lhe esta carta.

Aqui, em BH, estamos todos bem. As crianças estudando muito, praticando esporte, cursando inglês, japonês e música. Eu também estou estudando; estou aprendendo bastante e estou adorando. Faço inglês, mas esporte ou exercício físico, isso eu não faço não, embora eu ouça conselhos para iniciar uma atividade todo santo dia. Não gosto de academias. Caminhar ou correr sem sair do lugar, não faz o menor sentido. O caminho sendo uma esteira de borracha de pouco mais de metro, que fica circulando e a gente pisando sempre no mesmo lugar. Definitivamente eu prefiro nossos caminhos, nossa estrada empoeirada, a qual tínhamos que cruzar a pé. Eram onze kilometros de caminhada. Percurso que fazíamos em uma hora e meia. Mas era a hora e meia mais bem vivida da semana, era hora e meia povoada de paisagens naturais, de sons da natureza, de céu azul sobre nossas cabeças, de conversas amigáveis e fraternais, com um caminho real a percorrer e um destino onde aportar. Esse destino era a nossa casinha, esse destino era ver você e a mãe e o nosso objetivo de com vocês passar o final de semana. E, que finais de semana adoráveis! Quanta vida, quanta aventura, quanta conversa, quanta beleza, quanta bondade nos olhos da mãe e quanta esperança em seu olhar. Aprendíamos tanto! Vivíamos profundamente! Vida plena, livre, intensa. Lembra-se? Íamos no sábado cedo e domingo à tarde tínhamos que regressar à cidade, aos estudos, ao trabalho.

Bem, pai, aqui na cidade não temos liberdade. Até para caminhar ficamos presos a um ambiente fechado, ou a um ambiente poluído onde temos medo de inspirar profundamente porque sabemos que há muitas partículas suspensas no ar e que nosso pulmão merece ar de melhor qualidade. Caminhar na rua apresenta ainda outro grande problema, o medo. Sabe, pai, o medo é nosso companheiro. Ele anda ao nosso lado. Onde quer que a gente vá estamos sempre com aquela coisa grudada nas costas, uma tensão absurda como se carregássemos sacos de milho o dia inteiro. Vivemos aflitos a olhar para os lados. Todos são inimigos em potencial. Todos, homens, mulheres, jovens, velhos, crianças. De um modo geral, se a pessoa que vemos por perto está bem vestida e alinhada a consideramos do bem e relaxamos um pouco, porém todas as que fogem desse padrão “cara de bonzinho, educado, normal” são uma ameaça. Os desalinhados, tatuados, disgrenhados, mal vestidos, os de cara muito fechada, os introvertidos e aqueles curiosos demais também representam perigo iminente. Caminhamos na rua com medo de que levem nossos pertences e nos machuquem. Estamos em alerta todo o tempo. Não se pode descuidar. Nos carros já não se poem adesivos de escolas ou empresas, nos cartões de visita não se põe o cargo ou profissão, porque essas seriam dicas valiosas para os bandidos que estão loucos por fazer mais um roubo ou sequestro relâmpago. Falando em sequestro relâmpago, também não podemos mais ir a bancos retirar nosso suado dinheirinho, pois os bandidos ficam à espreita e logo que saimos do banco, zás... aparece um meleante para surrupiá-lo. Embora, felizmente, isso nunca tenha acontecido com nossa família. Mas, o senhor sabe e vê no noticiário onde aparece esse tipo de notícia frequentemente. Por isso o medo não nos abandona.

Agora mesmo, pai, estou com um peso nas costas. Devo estar preocupada com alguma coisa. Tem esse detalhe aqui, vivo correndo, fazendo um milhão de coisas e parece que o tempo é pouco demais para tudo que se tem pra fazer. O tempo voa e fico descontente, me sinto incompetente por não lograr fazer todas as coisas que tenho listadas, que são necessárias ou, mesmo, que são caprichos meus.

Pai, a vida aí é mais calma, não é?

Fico pensando se compensa viver nesse corre-corre. Não seria melhor viver mais sossegadamente aí, nesse nosso vale encantado? Voltar à agricultura de subsistência e produzir nossos próprios alimentos. Hoje tudo é mais fácil. Temos energia elétrica nos quatro cantos do Brasil. Todas as fazendas, todos os sítios, toda chácara têm luz. Facilita na produção dos alimentos, na criação dos animais, no conforto da casa. Teríamos tranquilidade e ainda estaríamos em contato com o mundo através da tv aberta e da tv a cabo.

Falando em tv, pai, eu nem gosto muito desse aparelhinho. Bem, o que não gosto são dos noticiários porque eles sangram. Eles violentam nossa esperança ao transmitir somente notícias ruins. As novelas também agridem a sensibilidade do ser humano. Nelas só se vê intrigas, traições, vingança e comportamentos estranhos em que os valores que prezamos não aparecem. Como se isso fosse o normal do ser humano, viver traindo e magoando as pessoas. Sinto que a tv propaga muito mais o lado podre, subversivo, o lado negro das pessoas. As qualidades, as virtudes, os exemplos a serem seguidos para melhorar o mundo, são mínimos, senão inexistentes, nesse meio de comunicação.

Sabe, pai, eu sonho em ligar a tv e assistir a programas que agradem ao meu coração. Imagine comigo, pai, uma tv que passe só notícias boas.

“Os melhores alunos de todas as escolas compoem o novo projeto – como aprender nos dias de hoje” “ Professor é capa de revista – o herói da cidade” “ pai herói – pai de 12 filhos entra para a faculdade após formar todos os filhos” “Escola rural é a melhor do país” “Políticos decidem baixar seus salários e investir mais em educação” “Idosos são respeitados” “Crianças de rua reivindicam escola para viver, estudar e aprender um ofício” “ Somos um país solidário, empresas e governo querem de fato mudar a realidade do Brasil” “crianças de 12 anos publicam livros” “A família é a base da sociedade, as famílias brasileiras são muito unidas” “O respeito entre as pessoas ganha reforço” “Lazer para todos” “O dia passou a ter 25 horas” “Os invernos não são muito rigorosos” “Adolescentes e adultos unidos em prol de um futuro melhor” “As crianças ouvem os pais e os pais aprendem com as crianças” “Adolescentes tem ideias inovadoras para solucionar os problemas atuais” “Festa na fazenda Santa Rita – todos estão convidados” “Semana nacional sem tv, computador, videogames e correlatos” “Apague a luz de sua casa e acenda uma em seu coração” “As pessoas adoram viver no Brasil, o Brasil é o melhor lugar para educar seus filhos” “As pessoas voltaram a escrever cartas” “Não existe mais dia do namorado, dia dos pais, dia das mães agora todo dia é dia de amar – compre só o essencial – evite desperdícios.”

Eu adoraria ligar a tv para ouvir essas notícias. Mas caso eu ligue só verei notícia ruim, novela ruim, e programas inúteis. É pai, já faz algumas semanas que não ligo a tv. Pobre de nosso povo que está sendo influenciado negativamente. Só veem desgraças na tv e como a mídia exerce muito poder sobre as massas, esse é o exército que está sendo formado: robôs que repetem essas barbaridades nas ruas e nas casas ou um bando de gente descrente no futuro: Viver para quê, lutar para quê, se o que vemos não nos agrada?

A realidade já é dura e a mídia trata de endurecê-la ainda mais. Os jovens estão ávidos por aprender, por fazer, porém o que lhes ensinam são apenas podridões, nada mais. Está tudo errado. Estamos cometendo um erro monstruoso nesse nosso tempo, e, o resultado não será bom. Não quero nem pensar!

Pois é, pai, falei demais. Vou ficando por aqui. Gostaria de passar mais finais de semana contigo. Podíamos conversar por horas. Pena estarmos tão longe. Venha nos visitar e passar uns dias conosco? Nas férias iremos, com certeza.

Beijo e a benção, pai.

Sua filha que te ama, muuuito!

DoraSilva
Enviado por DoraSilva em 21/09/2011
Reeditado em 25/09/2011
Código do texto: T3233078
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