Carta da madrugada...(reflexões sobre a velhice)

“Lieber” André:

Terminei de ler o texto por volta de um da manhã, mas pensei nele até as quatro. Como moro numa região rural tive a oportunidade de caminhar um pouco para ouvir o silêncio da noite enquanto meu cérebro ruminava a leitura.

A noite fria, o céu cheio de estrelas, o cachorro que uivava lá longe me fizeram compreender que apesar de viver num mundo dominado pelo Kronos, minha alma busca o Kairós. Aliás, foi interessante descobrir o significado original de Kairós. Como estudei filosofia com os padres sempre tive o Kairós como um encontro com Cristo. Um momento de experimentação da sacralidade crística, mas o buraco é mais embaixo.

Infelizmente o cristianismo católico (apesar de ser o mais plausível) tem toda a sua organicidade intelectual moldada por Tomás de Aquino, que maximizou a razão temendo o crescimento das heresias. Depois os Jesuítas enrijeceram esta prerrogativa ainda mais ao assumirem o pensamento cartesiano. Assim o Kairós passou a ser uma experiência racional e individual.

O Cristo místico que se dilui na humanidade passou a ser individualizado, rompeu-se a idéia de grei, de comunidade. O livre arbítrio foi valorizado e a salvação passou a ser tarefa individual. Daí a popularização de cada um por si e Deus por todos...

Mas voltemos à velhice.

A leitura do texto me fez reafirmar a idéia de que vivemos numa sociedade patológica. Um mundo semelhante ao do jogo Dragonball, onde as Youmas comem as víceras dos seus súditos. Vivemos dominados pelo paradigma da razão, mas este tem se mostrado cada vez mais irracional nas tentativas de manter o cadáver do capitalismo vivo.

Há a subversão dos pensamentos humanísticos em prol da supremacia do mercado. Assim, como numa fábrica fordista, somos todos separados em seções para nos digladiarmos pela dominação do mercado. Aí surgem os guetos por afinidade (diferentes dos guetos nazistas que nasceram pela imposição do regime): negros, asiáticos, gays, afro-americanos, afro-europeus, curdos, cristãos, mulçumanos, ateus e sua série absurda de pequenos impérios, provocando a metástase social.

Esta ebulição social é provocada em grande parte pelo primado da individualidade e pela conceituação mercadológica dos princípios humanos. A estética é superior a ética, as embalagens são mais importantes que os conteúdos, a política é a arte de enganar e assim vai, passando da esfera macro a micro com a velocidade permitida pelas novas técnicas de telecomunicações. Assim a compreensão do tempo Kronos tornou-se mais tirânica, pois já não existe a possibilidade de se ruminar conceitos, apenas os aceitamos e pronto.

A idéia de velhice está associada à decrepitude, a invalidez, a impossibilidade de produzir bens matérias. Por mais cuidado que se tenha, vez por outra, corremos o risco de nos acharmos velhos por não estarmos “produzindo” muito, quando na verdade deveríamos estar atentos à qualidade de nossas produções.

Quase ninguém sabe, mas Goethe levou 60 anos para escrever Fausto, e Dante, passou 15 anos debruçado sobre a Divina Comédia.

Nossa noção do Kronos está atrelada ao conceito dos instantâneos. A mentalidade plug and play perpassa nossas vidas e influencia nossas concepções, por isto a necessidade de reencontramos o Kairós. A experiência individual que nos insere ao todo, modelando um novo homem e reestruturando as relações sociais onde respeito o negro não porque existe uma convenção legal que reprime minha intransigência, mas porque sei da existência de um fio invisível que nos une, e que me faz respeitar a sua humanidade, ou como dizem os indianos: Namastê, "O divino que está em mim saúda o divino que está em você.".

Trocando em miúdos, precisamos nos conscientizar que envelhecer, estar fora da estética do momento, não ter o celular que corta cabelos e faz capuchino, são convenções pequenas demais diante, não da brevidade, mas da grandeza da vida.

Valeu pelo texto, mas vou continuar ouvindo a Flauta mágica de Mozart com uma “puta” inveja sagrada.

Abração e Namastê.

Teu amigo,

Paulo Fuhor