Quando o amor acaba
Muito se fala de quem perde um grande amor. Ninguém fala de quem deixa de querer, sem deixar de amar.
De como é difícil se privar da companhia de quem se gosta, só porque o amor acaba.
De ter que sufocar um carinho verdadeiro, para não alimentar falsas esperanças e de ter que abaixar os olhos por não suportar a queixa no olhar do outro.
De ter que aprender a desamar para libertar o próprio coração. De esperar que o outro desista.
Muito se fala de ser abandonado, mas ninguém fala na dor de quem primeiro enxerga o fim. E conta cada minuto até que morra de velho este amor. Até que apodreça. Porque quem percebe primeiro sofre, sozinho, a dor de se descobrir desapaixonado.
Ninguém fala de quem nem tem o direito de sentir saudade dos bons momentos, porque o processo de libertação, se não houver fuga, exige maus tratos, intolerâncias, asperezas, silêncios propositais. Desprezo.
Muito se fala de quem sofre o desprezo do ser amado, mas ninguém fala de quem se viu obrigado a desprezar, porque parece condição imposta à toda separação que há de haver sempre um culpado.
Quem é abandonado não tem a responsabilidade com sua dor. Sofre, chora, esperneia, chantageia, tenta o suicídio, amaldiçoa. Depois odeia para esquecer. E nesse instante em que o amor vira ódio, é ele quem abandona quem verdadeiramente o amou.
E quando tudo finalmente acaba, mais sozinho se sente quem, lá atrás, já anteviu.
Muito se fala dos amores nascidos simultaneamente, das paixões à primeira vista. Quem dera haver também o desamor simultâneo. Quantas amizades sinceras seriam preservadas! Que se chegasse ao clímax mútuo da desapaixão. E numa despedida sincera, livres os dois.
Não falo de sentimento de posse, nem de rotinas entediantes, nem de fatores externos. Falo de sintonia. De tempos diferentes.
Falo do amor que acaba porque acaba, sem motivo nenhum, sem patifarias, sem traições.
Falo do sofrimento de quem nem pode se dar ao luxo de chorar sua perda e ainda tem de arcar com uma culpa que não lhe cabe.