CARTA ANÔNIMA

Eu não lhe direi quem sou.

Mas tenho certeza que se apressará em saber. A poesia nunca resistiu à magia das cartas e tampouco à magia dos carteiros, e sei que, justamente por ser poeta, ao menos perceberá o meu intento.

Um poeta sempre lê as entrelinhas, se alimenta das metáforas, e vê explicitamente toda e qualquer intenção ocultada. E sei que você, até hoje, espera por notícias minhas.

-HÁ ALGUMA CARTA PRA MIM?

Ainda que não lhe diga o meu nome...saiba, os personagens dos nossos contos de fadas, além de eternos, nunca perdem a identidade.

Mas as minhas intenções, eu não as pretendo esconder. Eu as exporei claramente, porém, deixarei que se inquiete nas dúvidas das suposições.Tanto quanto eu me inquietei nestes últimos momentos...

Você se lembra de quando éramos crianças? E daquele primeiro beijo, você se lembra? Ah, todos fomos crianças um dia!

Naqueles sucatados bancos do colégio, e olha, parece que foi tão recentemente que estivemos por lá, e poesia, fizemos versos, projetos, entrelaçamos as mãos , ardemos de desejo (o primeiro!) e partimos para um futuro sem volta, embora julgássemos que partiríamos para aquele nosso presente eterno.

Você já deve saber quem sou, não sabe?

Pois é, naquelas horas desavisadas da adolescência, eu sequer imaginava existir o destino.As minhas dúvidas se resolviam facilmente.

Desfolhava uma flor do campo, recitava um “bem ou mal me quer”...e pronto, tudo estava esclarecido.Os meus desejos nas pontas dos dedos!

Mas, igualmente àqueles bancos do colégio, foi exatamente o que nos aconteceu.

Sucatamos nossos projetos à rolagem do tempo. Mas...e aquilo tudo, o que foi? Tantas horas soaram, e só agora você resolveu confirmar a veracidade daqueles sentimentos?

Conta pra mim...qual é a brincadeira da hora? Brincar de voltar no tempo, viver a poesia, e sair correndo?

Bater na porta do meu coração, pedir licença e se perpetuar sem parcimônia?

Perguntou-me, poeta, se ainda sei brincar?

Você...pediu licença à realidade? E desculpas...você pediu?

Por acaso, você dita as regras ao destino? E do tempo, você tem as rédeas?

Estórias são estórias, poeta! Apenas persistem nas páginas amareladas da nossa fantasia. Que pena, poeta! Que pena!

Oxidamo-nos no tempo, e nossas cenas são inertes ilustrações .Não há mais cor.

Feche o livro, menino...e cale o amor dentro dele!

Mas como? Ainda continuo no anonimato dessas letras?

Ora, recorra aos resquícios da poesia! Ela também poetiza os paradoxos...

Abra as portas do seu coração, e fustigue suas entranhas.

Olhe bem lá dentro, poeta!

Aí então, você saberá quem sou.