Mártires Inúteis



Marabá, 18 de maio de 2011

Cara irmã Dorothy,

Como sentimos sua falta! Diariamente, lamentamos sua morte prematura, o silêncio imposto à sua voz firme, embora doce, em defesa dos pobres agricultores desta região sem lei.
Logo após sua partida, pensávamos que seu sacrifício não seria em vão. Ainda que saudosos e tristes pela sua ausência, acreditávamos que o ato covarde que a roubou de nosso convívio e de nossa luta teria a força de indignar o mundo pela situação que aqui vivemos. E mais, sonhávamos que a repercussão negativa de seu assassinato forçaria as autoridades a dar um basta à ação dos grileiros, bandidos armados pelo poder econômico, que expulsam de suas terras aqueles que a têm, por direito, e destroem as matas, os animais, a vida.
De fato, apesar de sua enorme força de caráter, em contraste com sua compleição miúda e temperamento sereno; apesar de sua energia inesgotável em defesa dos humildes; apesar de fé inabalável num Deus que protege os pequenos contra o abuso dos poderosos; sua missão foi muito melhor sucedida nos meses seguintes à sua morte do que nos anos em que você esteve à frente dessa batalha conosco. A barbárie cometida contra você expôs nossas mazelas, envergonhando o Governo Brasileiro por permitir que as questões fundiárias no país ainda sejam resolvidas a bala. Aliaram-se a nós muitos políticos, defensores dos direitos humanos, ambientalistas e a mídia de todo o planeta. Chegamos mesmo a acreditar que, finalmente, esta guerra suja teria o seu final.
Porém, o tempo mostrou que curtas são as memórias de nossos governantes, por comodismo, interesse ou ambos... Mais: diante de tantos conflitos internacionais maiores, mais chocantes, sangrentos, cruéis, torna-se pequena a importância de uma missionária americana assassinada nos confins das matas brasileiras, por uma luta que parece tão distante do resto do mundo, defendendo trabalhadores rurais e, embora viáveis, pouco rentáveis projetos de desenvolvimento social sustentável.
E assim, seu nome foi logo esquecido do mesmo modo como o foi o do grande Chico Mendes, só sendo melancolicamente lembrado por nós, seus amigos e protegidos, órfãos de sua coragem. Espelhávamo-nos em sua bravura e agora só nos restaram seus reflexos embaçados. É pouco para enfrentar a sanha daqueles que ignoram o valor da vida, cegos por dinheiro e poder... Ainda assim, foi o que nos restou e agarrados a essa sua herança de fome de justiça, prosseguimos na luta.
Sabemos que seu legado nos será fatal. Desde que denunciamos os madeireiros pelos crimes ambientais que vinham cometendo por aqui, as ameaças têm se tornado cada vez mais contundentes, a polícia se omite, o medo é nossa companhia mais frequente. Ainda assim, não nos arrependemos de ter abraçado esta causa. Talvez as nossas mortes venham somar esforços nesta guerra, talvez suscitem indignação, talvez mudem alguma coisa, embora a história mostre que isso dificilmente acontecerá.
Visto assim, somos meros mártires inúteis. Errado! Morrer lutando ainda é melhor que o silêncio, a conivência, a covardia e, na pior das hipóteses, serviremos de inspiração, como você serviu para nós. Seremos como cabeças da Hidra surgindo em dobro a cada uma destruída, até que não nos seja mais possível enfrentar.

Despedimo-nos com esta fé e esperança e a assustadora certeza de um breve reencontro,

 
José Cláudio e Maria do Espírito Santo



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Texto escrito para o 7° Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Categoria Cartas - Etapa 3.
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