Meu amado amigo;
O tempo não passa rápido, nós é que passamos... Verdade! Tanto tempo não escrevemos para o outro, afinal é a normalidade das coisas, até amigos da mesma rua passam tempo sem trocar comunicação alguma. A jangada é o rumo das coisas, e o mar revolto, sem sombra de dúvida, é o mundo e suas limitações.
Paris? Portugal? Chico Buarque? Nossa! Sua viagem lânguida e despretensiosa tem feito de ti algo bem maior que a necessidade de esquecer o grande amor. Este permanece pelas entranhas impalpáveis, na poeira na estrada, no avião, no carro... Pior do que lembrar o amor é saber que vida, tempo e morte são uma só coisa: É a trindade de Deus. Não há nada que podemos fazer, a não ser esperar... O quê? As nuvens não cessam e eu canso meus olhos tentando acompanhá-las.
Bom, aqui parece ser sempre verão e as pessoas são sempre cinzas. Basta que nos desnudemos e nos pintemos em infinitas cores; na explosão delas obteremos o neutro, então, devemos seguir o caminho do meio, sem mediocridade nem a hipocrisia cuja sociedade faz questão de passar adiante. Meus amigos não necessariamente casaram, talvez um pouco mais cruel, envelheceram de forma a me fazer sentir ainda mais criança que a alguns anos, questionando e desentendendo tais relações. As pessoas são meio burras, meio cegas, meio pálidas... Não sei, a mim coube uma percepção além do controle humano, mas não me gabo. Preferia ser feliz.
Quanto à São Silvestre e o prêmio literário, que maravilha! A poesia sempre vence quanto mais triste a sinceridade do viver. Não ganhei algum reconhecimento, mas por puro egoísmo continuo tentando...
Ando por aqui ainda, estranha e cada vez mais. A perda me amadurece e questiono, pra que? O peso da responsabilidade é tão melancólico que voltamos a ser mortais sem o brilho ou elegância inerente aos felinos. Agora o que mais tem incomodado é “essa eterna falta do que falar” me fez desenvolver paranóias sociais e desejar aumentar a caverna que abriga minha solidão. Tão necessária a solidão...
Já não ando a pé sem entrelaçar as mãos ao medo. As minhas malas estão empoeiradas e esquecidas de planejo. Digo, fico por aqui aguardando o chá, o café, a boa conversa, as invenções... fico sem querer ficar, também sem me importar se deixo passar tanta terra, tanto mar. Esse mundo não é meu, me faz desandar, por isso sou triste. Tantas feiúras no desorgulho de permanecer humana. Antes fosse árvore, pássaro, ar.
Não prometamos nada. Não precisamos que nos entendam. Deixa que os outros passem... Mesquinhos e infelizes amargam a própria vida sem ousar. Pra isso servem os escritores; pra que as palavras remem e resplandeçam nossos sorrisos distantes, prevalecendo uma amizade invisível, carinhosamente dedicada, suponho.
Sei que não somos tão mortais.
Grande Beijo.
Voltamos a “nos ver”!
OBS.: Carta escrita em resposta a Wellington Cruvinel, amigo do recanto.