Caro professor Borges,

Duvido que vás lembrar-te de mim. Penso que fui um de teus alunos menos brilhantes. Penso mesmo que, numa ocasião ou outra precisaste esforçar-te para encontrar alguma qualidade em meus escritos. A maioria era “concreta demais”, “realista demais”, “sem lirismo” em educadas palavras tuas para diagnosticar o que elas realmente eram: umas parolices.
Sinceramente, difícil saber por que me propus a participar de seu curso. Sempre fui mesmo muito concreto e realista, nada lírico.
Talvez tenha me deixado mover por uma tola admiração pelo grande homem, famoso escritor e pensador que és. Quiçá o fato de conhecer a tua história, o livro escrito ainda em tenra idade, tenha me feito acreditar que literatura era algo fácil e simples. Contudo, o mais provável é que tenha sido apenas para aproximar-me daquela que seria mais tarde a minha adorada esposa, Lylabel. Penso que dela tu te lembres. Uma escritora de enorme talento como tu sempre fazias questão de ressaltar, ao fazê-la ler sobre o tablado até seus textos mais despretensiosos, seus menores versos tímidos.
Porventura ficaste sabendo? A promessa jamais teve chance de tornar-se realidade... Maldita Revolução Argentina! Malditos Motoneros que, com suas utopias socialistas, nos colocaram numa guerra sangrenta, nos conduziram à prisão! Lá, perdi Lylabel… Perdi nosso filho, em seu ventre... Perdi a visão.
Sabes, professor? Esta última foi o que menos me fez falta. Talvez a escuridão tenha sido até benfazeja, já que à minha volta nada mais de beleza havia.
Penso agora que já entendes o porquê desta minha missiva. Soube pelos jornais que estás ficando cego.
Lamento um pouco por ti, porque Deus nos presenteou com o dom de enxergar sua criação e perder um dom é sempre muito triste.
Porém, digo – por experiência própria e sem pudores em ser piegas – que, quando Ele nos tira alguma coisa, é porque pretende nos dar outra em troca.
No meu caso, tive a felicidade de, na escuridão de meus dias solitários, encontrar-me com a poesia de Spinoza, Virgílio, Camões... E, com eles, aprender a ver o mundo pelos olhos da fantasia e do lirismo...
Estou certo de que, assim como eu, também tu serás capaz de enxergar na escuridão. Talvez até já o faças, poeta que és.

Com respeitosos cumprimentos,
Alejandro Suziano


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Texto escrito para o 7° Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Categoria Cartas - Etapa 1.
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