O Pacto do Silêncio

A face mais importante do jornal é a que não se publica, a que está por trás dele. Só te mostram aquilo que podes saber. Mostram apenas o que querem que saibas. Nem eles mesmos, aqueles que produzem, têm bem certeza do que deves ou não tomar conhecimento. São muitos os que não têm consciência do impacto de seu trabalho sobre tua vida. Entretanto, tu os recebes como fonte de informação necessária ao teu dia. Diariamente os buscas, assistes pela TV, ouves pelo rádio, lês em jornais e revistas. E notas, de algum modo, que todos eles geralmente falam sobre os mesmos assuntos, embora nem sempre as mesmas coisas. Porém, ainda que muito falem, te dizem pouco. Sabes que há muito mais sobre o que te dizem. E há mais ainda sobre o que não mencionam, sequer.

Mas o poder é deles, não teu. Tu não defines a pauta. Eles a definem e se comparam entre si: não podem ficar para trás, precisam dar a informação que o colega publicou. Não se importam em conferir a veracidade do que te dizem, em reunir provas suficientes: se os concorrentes disseram, precisam repetir. Todos os meios andam sincronizados e falam em coro.

Tu não notas que eles normalmente não se importam muito em não dizer ou não dar ênfase às fontes deles. É que isso faz diferença: quem disse o quê sob quais circunstâncias. Nem tudo tem o mesmo sentido dependendo de quem diz, sequer uma palavra. Contextos diferentes mudam o significado. A visão sobre terra, por exemplo, é diferente para um latifundiário, um pequeno agricultor e um índio. Mas tu não deves pensar nisso. As fontes são um ótimo recurso deles para te induzirem a pensar de certa forma e se proclamarem imparciais.

A hierarquia das notícias no jornal é outro recurso que eles têm para proclamarem sua isenção. A ordem das notícias no rádio e na TV e o modo como são produzidas conferem-lhes maior ou menor importância. Assim como o tamanho das matérias no jornal, as manchetes, as chamadas. Aproveitam que tu geralmente não tens muito tempo de ler tudo e colocam algo numa pequena notinha. Algo que pode ser perigoso, algo que não interessa muito que saibas, mas que não é possível suprimir da publicação para que não saiam mal depois, caso alguém lhes cobre. Desse modo, eles modelam o enfoque dos fatos da forma que acham conveniente e de modo tão sutil que, ao final, tu pensas naturalmente na importância das coisas tendo a impressão de que foi resultado somente da tua interpretação.

Tu acreditas na relevância deles. Eles sustentam a própria importância. Agem como estrelas. Eles dão autógrafos e se consideram os melhores dentre todos os colegas. Ser melhor significa ser famoso. Eles se consideram essenciais a ti. Tu viverias numa infeliz ignorância não fossem eles. Salva-os com aplausos e conversão ideológica. Mas não pronuncies jamais a palavra ideologia perto de um: causa arrepios e asco. Eles apenas mostram fatos sem interferência alguma. Também não fales sobre avaliar seu trabalho: isso causa enorme aborrecimento. Avaliação, para eles, é sinônimo de censura. Eles querem a tal liberdade de imprensa – mas é só para poderem continuar não dizendo o que deverias saber.

Eles pensam ser heróis, também. Principalmente quando ousam fazer críticas políticas. Consideram-se bravos por divulgar qualquer coisa como se tivessem feito uma grande descoberta, apesar de não terem investigado. Mas te dizem que aquilo é jornalismo investigativo. Tu nunca sabes, entretanto, os crimes econômicos envolvidos com as questões de desigualdade social, por exemplo. Nem conheces jornalistas e veículos que tenham enfrentado grandes empresas.

Não creias, porém, que eles se reúnem para decidir os temas que todos os veículos de todo o mundo tratarão e os que não poderão ser abordados. Não é assim que eles agem. É muito pior: assim tu saberias, assim eles confessariam a si mesmos seus interesses comuns e sua fraqueza, incapacidade de agir diferente dos demais. É um consenso pressuposto. É uma espécie de intuição, fruto também da competência deles de se observarem mutuamente. E fruto de algo impreciso, classificado por uns pela palavra sistema, pelo modelo comunicacional presente na sociedade. Não creias também que eles todos têm más intenções, que alguns não são ingênuos e outros não sabem disso e ou se frustram ou tentam mudar. É que eles assumem uma perfeição que nem é possível, mas se proclamam infalíveis e esse é o maior mal que têm e podem fazer a ti: isso os deixa estagnados, faz muitos deles não lutarem para enriquecer as informações que a ti chegam.

Tu não podes decidir por eles o que publicarão, mas não deves ficar parado: cobra, pois a ti devem. Cobra responsabilidade, ética, envolvimento e humildade: partindo do que devem a ti e a toda a população. Eles têm que saber que aquilo que não dizem tem tanto peso quanto o que dizem e como dizem. Pois tu segues em teu anonimato confiando neles. O silêncio deles pode sufocar os gritos mudos de milhares de pessoas que sofrem e justificar várias formas de opressão. Teu grito não é ouvido; o silêncio deles, sim.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 08/12/2006
Código do texto: T312681
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