Noite alvorada
O seu amor foi para mim sempre um mistério, porque sentia que existia mas não sabia como é. Não que o seu amor fosse como um amor qualquer. Nesta nossa relação de dois seres, sentia que o seu amor poderia ir além do imaginável nas formas profundas e intensas da arte de amar. Do seu amor pensava saber mais o que não é, do que o que é, Isso me parecia arbitrário, injusto, absurdo. O seu amor, que sabia estar aí, escapava-me como nos escapa a verdade que se esconde no mistério. O amor que demonstravas, com pudor, sentir por mim continuava sendo um mistério. Você não percebia o quanto eu ansiava por penetrar esse mistério com o meu amor desposório a maneira do Cântico dos Cânticos?!
Finalmente agora sei que você esperava eu “pagar o preço” pelo seu amor, exercitando-me em constância e serviço, purificando-me dos egoísmos que inconscientemente me guiavam, dos enganos que me sustentavam, das segundas intenções inconfessas... Não há amadurecimento para uma vida nova sem passar por essas crises.
Na noite que foi alvorada, noite do encontro denso que tivemos, encontro sem limites e sem fundo, o véu do mistério rasgou-se e a despeito de nós dois estampou-se o que somos um do outro na explicação do místico amante: você, querida, é fogo, eu sou lenha. A combustão do contato mútuo fez desaparecer o mistério: quando se joga lenha no fogo, ela queima, transforma-se em chama e se confunde com o fogo, que acaba espalhando-se completamente pela lenha.
Não há mais mistério!
Tudo o que eu sinto, ah! meu amor, é o seu fogo que me faz enlanguescer e num suspiro, estremecer!