Grande Chê,

Sabia que sou seu fã? Ainda guardo com carinho uma velha camiseta vermelha com o seu retrato e aquela sua frase famosa: “hay que endurecer pero, blá blá blá”.

Infelizmente, a peça não me serve mais, incapaz de esconder a minha burguesa barriga quarentona... Mas, posso lhe garantir: na faculdade, era quase uniforme. Naquela época, feio era não ter ideais socialistas e, convenhamos, aquele seu retrato pintado pelo Fitzpatrick foi uma puta jogada de marketing! Você era boa pinta, xará! E ainda tinha os ideais, a firmeza de caráter, o romantismo da bandeira que empunhava, a coragem de embrenhar-se em matas estranhas para levar outros países a alcançarem a evolução social pregada por vocês... Tudo isso foi mesmo demais! E, quando a gente vê a miséria em que o povo vive, sente vontade de abraçar a mesma causa, encampar os mesmos ideais... Bons tempos aqueles...

Li, dia desses, que quem nunca foi comunista é insensível e quem continua sendo é irracional.

Pois é... Os anos se passaram e levaram junto a minha ingênua esperança de mudar o mundo. Hoje, desencantaram-me as utopias Marxista-Leninistas. Claro que o capitalismo também está longe de ser um regime viável! Está na cara, principalmente dos excluídos! Mas é que, infelizmente, sabemos que os desiguais exigem tratamento diferenciado. É contraproducente oferecer ao que trabalha muito o mesmo que se dá ao que nada faz, do mesmo modo que é injusto concentrar grande parte da riqueza de um povo nas mãos de uns poucos cidadãos. Solução? Existe alguma?

Às vezes, fico pensando que importa pouco o sistema sócio/político/econômico que rege um país... Isto é... Sendo composto por pessoas como eu e você com as nossas ambições, egoísmo, éticas oportunistas e caráter maleável, haverá sempre alguém que se deixe corromper, que extrapole os limites, por riqueza, por poder ou por ambos... Somos imperfeitos, como células cancerosas. Incapazes de compor um organismo saudável.

E é por isso que estou lhe escrevendo agora: para lhe dizer, embora pense que você já o saiba, que você morreu por um sonho impossível. Se é uma lamentável constatação, em contrapartida acrescento que, apenas por ela, continuo seu fã.

Explico: se você tivesse sobrevivido, tendo a chance de observar o quanto, na prática, é irreal a teoria bolchevique, talvez até tivesse tido a decência de declarar sua frustração com ela. E essa patética retratação pública, embora louvável, tiraria metade do encanto que a sua morte prematura como guerreiro do bem ainda provoca em mim.

Porém, dadas as atrocidades que cometeu no afã de implantar o regime, o mais provável é que você se permitisse seduzir pela ciência do quanto toda essa falácia é envolvente e capaz de suscitar paixões e seguidores. E então, para minha completa desilusão, talvez tivesse se tornado um desses espertalhões que andam por aí vendendo este mesmo sonho impossível aos jovens ingênuos e aos desesperançados.

Por isso, caro amigo, descanse em paz!

Do teu eterno admirador,

Ernesto Silva.



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Texto escrito para o 7° Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Categoria Cartas - Etapa 2. Fiquei em 2º Lugar nesta categoria.
Este texto foi indicado para concorrer a melhor texto do Desafio.
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