Salve, Pássaro dos Andes!

Invoco, aflito, a sua presença. Venha! Estende suas asas sobre nossa América, usa de toda a sua envergadura, para, num abraço único, terno como o de mãe às crias, abarcar-nos todos, trazendo à luz a nossa condição de irmãos.

Que sua sombra faça definhar em nós as atávicas heranças que nos separam, as diferenças e inimizades trazidas de nossos primevos europeus. Que sua leveza possa abrandar as mágoas e rancores alimentados pelos séculos de coerção do negro, de exploração e aniquilamento do índio. Que possam suas garras afiadas destruir a ambição desmedida dos poderosos a acumular riquezas em detrimento de milhões de miseráveis. Rasga com o seu bico forte as redes da corrupção que nos impedem de alçar vôos majestosos como o seu e ver, do alto, a beleza dessas terras abençoadas e de nossa gente, com sua raça e cultura, fragmentos vivos de todas as outras do planeta.

Oh! Condor, venha! Abarque-nos com suas asas extensas como fôssemos seus filhos, e nos mostre a grandeza de ter irmãos tão maravilhosamente diferentes. Mostre-nos o reino da águia imperial, onde esse processo de formação étnica foi muito mais doloroso e povos inteiros foram dizimados e onde porém, observa-se uma maior mobilidade social, enquanto, do lado de cá do Equador, apesar de uma mais suave acomodação racial, surgiram barreiras civis, quase castas, pelas quais ainda continuamos a nos debater em infundado segregacionismo. Com sua visão acurada, guie-nos para o desenvolvimento da América Latina como um bloco coeso e mais competitivo na economia global, mais homogêneo na distribuição das riquezas (individualmente e como nações), mais democrático em nossas relações políticas. Arranca de seu ninho os obsoletos ideais social/populistas, tão frequentemente usados como argumento para que se cerceiem liberdades. Guie-nos na busca do caminho para que a educação de qualidade e o acesso à tecnologia não sejam mais um elemento desagregador, que estejam ao alcance de todos nós e que catalisem nosso crescimento continental, alçando-nos ao Olimpo dos países ricos.

Venha, abutre do novo mundo! Venha abraçar-nos todos como filhos seus que somos e, em seu augusto planar, sirva de modelo aos nossos governantes para que percebam a importância da manutenção dos propósitos, ao invés da mera exploração política da temática de integração continental aos solavancos das exigências de setores interessados em parcerias que lhes favoreçam particular e momentaneamente.

Oh! Bweno kúndur! Venha e não tarde mais. Seus filhos todos, meus irmãos e eu, clamamos, invocamos aflitos a sua presença. Venha!

Ansiosamente,

Missivista



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Texto escrito para o 7° Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Categoria Cartas - Etapa 5. Fiquei em 2º Lugar nesta categoria.
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