" O NOSSO GUARDA ROUPA, ESTA DESMONTADO"

              Nossa casa, você colocou à venda; coube a mim a difícil tarefa de acompanhar um corretor até lá.
Quando cheguei na rua, parecia tudo diferente; uma sensação melancólica pairava no ar.
Abri o portão, nenhum carro..., vários papeis de cartas estavam no chão, empoeirado.
Entrei na casa pela porta da cozinha; aquele espelho grande na copa que você pendurou, refletiu meu rosto, aliás, minha carcaça: desfigurada, descabelada, cansada , oprimida ,sem brilho, sem baton  e aflita ,tal qual um peixe em busca de oxigênio.
Alguém tomou a iniciativa e, foi abrindo as portas, as janelas e acendendo as luzes ( notei que duas delas estavam apagadas...) Nada eu podia fazer, estava apática ,como um andarilho, sem direção; apenas olhava o vazio.
Na nossa sala, apenas o orgão usado por tua filha e, um “puf” jogado no chão; as flores da sacada, esturricadas quase sem vida, como quem pedindo água por misericórdia.
No andar de cima, entrei no quarto dos nossos filhos; tudo vazio..., apenas a cor vermelha, tentava trazer-me alguma luz de conforto.
Num outro quarto, usado por você, uma televisão , uma cama de casal coberta com endredom vermelho, e dois travesseiros. Enquanto o corretor percorria o imóvel extasiado pela grandeza e o esmero com que voce cuidou as dependências, cheirei os dois travesseiros: Um ,ainda conservava o cheiro dos meus cabelos, o outro...teu cheiro.
Subi até a sacada superior e na vista panorâmica, me detive por alguns instantes, contemplando a imensidão de carros e pessoas que transitavam ; pareciam todas alegres, felizes....eu porem ali, provando o gosto do cúmulo da solidão: sozinha em meio a tanta gente.
Entrei vagamente em nosso quarto, tentei de todas as formas esconder meu triste estado, segurei-me no exemplo  de numa mulher forte, dura, tal qual muitas que se vêm no meu estado bahiano, mas diante da veracidade dos fatos, e do desengano...me derramei em lágrimas copiosas. Busquei o primeiro ombro que encontrei, era demais a minha dor...
O nosso guarda roupa estava no pó , no chão, como eu, você e nossos filhos, todo desmontado, separado as peças umas das outras, mas inteiro. Alguém o desmontou; queria novamente montá-lo mas não teve a capacidade ou foi impedido de levá-lo, para outro lugar...
O nosso guarda roupa ainda está lá, desmontado e no pó do chão.Até quando?
Com a palavra...o tempo.