O SHOW

Lá estava cercada por uma turba enlouquecida. No palco, o artista.

Neste mesmo ato uma tríade: o ídolo, a multidão e eu.

A euforia, o espaçamento dos gestos, sorrisos e gritos, me aturdiam. Tudo era objeto de minha precípua observação. Quase tudo me parecia estranho!

Porque não conseguia me divertir como os demais e porque desejava não estar ali.

Era o que me perguntava. Buscava respostas nas faces suadas ao meu redor, nos empurrões e excessos. Por vezes, o som ensurdecedor me anulava os sentidos, e nessa brecha sensorial eu vagava por labirintos interiores.

Aquela Banda explodiu nos anos 80 em plena juventude minha. Mas como eu não sabia acompanhar quase nenhuma canção? Como não conhecia aquelas tantas letras que quase não se ouvia ante os estalidos das guitarras e baterias?E aqueles rostos de meninas e meninos de pouca idade que acompanhavam cada frase antecipando, inclusive, o próprio vocalista?

Diante da estupidez daquele momento me pus a observar os gestos da platéia, as acrobacias dos artistas, as tramas tecidas nos olhares e na dança dos corpos. Percebi-me só, em meio a muitos. Quis voltar para casa, lugar de minhas certezas. Então rogo aos anjos que o show termine no agora de minha vontade.

O tempo, no seu compasso, passa. As vozes, nos seus desvarios, enrouquecem.

O espetáculo, em uníssono sonoro e eletrizante, finda.

A volta pra casa é itinerário de andanças para meus pensamentos. Não consigo explicar a dificuldade de adaptar-me à urgência da vida do lado de fora. Dentro de mim tudo tem outro compasso, estou n’outra estação. Será que embarquei no trem errado?

O que faço, nesse vagão vazio em que me encontro?

Quem são meus ídolos?

Por quem grito e ensandeço?

Por quem me calo?

A chegada em casa, no cantar do galo e clarear das janelas, faz-me devedora de sono e enfado. O corpo se entrega ao sono. Um sono andante e insone.

O acordar gera melancolia, nostalgia e uma total incompreensão do estar no mundo. Espanto esse sentir. No fim, tudo vira palco e platéia. O que importa, o que vibra, o que faz chorar e ser feliz é o “show” da vida nossa de cada dia.

Dez/2008

Suerdes Viana
Enviado por Suerdes Viana em 30/06/2011
Código do texto: T3067709
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