SAUDADES!!!

Querido palco amado

Sinto muitas saudades dos tempos em que eras o meu ganha pão. Das horas a fio sobre ti, ensaiando exaustivamente, uma mesma cena, até que finalmente recebia o ok do diretor, e foram tantos! Cada um mais competente que o outro. Mas só um eu amei, meu primeiro amor de menina, ele cantava lindamente com seu violão, eram os anos de chumbo, e cantávamos como pássaros livres, com nossas calças lee, cabelos rebeldes e uma alegria triste.

Andança era nossa música de final de madrugada.

Me vejo deitada no chão do palco do teatro Arcádia em Nova Iguaçu, sinto o cheiro delicioso de madeira antiga, parece que sou envolvida em um abraço naquele lugar mágico de faz de contas. eu usava sempre uma malha de balé azul escura, com meias de balé, também azul, nos pés uma sapatilha comum, esse tipo de roupa oferece uma liberdade total ao corpo, e todo adereço que se usa por cima cai muito bem.

A peça em questão é Homens Mitos. Que peça linda! Eu era ainda uma menina sem nenhuma experiência sexual, mas fazia uma mulher, sensual, uma mãe... Como foi difícil!!!

- Eu sou o final do tempo, o resto do nada...

- ... Por fim nada sou...

Vento Asfalto e poeira, era outa peça que encenávamos na mesma época. Em um ano produzíamos muitos espetáculos, lindos! E o público ia nos ver, fazíamos milagres, sem patrocínios, sem empregados de apoio para manter aquela casa de espetáculos, nós amávamos tanto aquele espaço, que fazíamos de tudo, faxina, cenários, panfletávamos e a noite brilhávamos naquele palco, na marcação exata sobre a luz dos refletores.

Que saudade daquela gente querida!

Mas como diz Chico em uma de suas músicas: " Ir deixando a pele em cada palco e não olhar pra trás.

e nem jamais, jamais dizer ADEUS"...

Essa música chama-se Na carreira, do Grande Circo Místico.

É isso! mais uma vez Chico traduz com exatidão o que vivi e vivo nos palcos da vida.

Em Minas, pude sentir a energia de palcos incríveis, lindos! enormes, médios e muito pequenos, em todos me deitei em algum momento, e num carinho senti a energia que emanava das madeiras abençoadas dos palcos desse brasil a fora.

Me lembro de um dia em que eu estava muito triste num quarto de hotel, bem longe de casa, fiquei em minha cama e não ia almoçar, a porta se abre e Ricardo Bandeira trás uma quentinha e diz que deseja dividir comigo. Foi um momento encantador, dividir aquela quentinha com meu grande ídolo, e tão solitário quanto eu. Comemos, conversamos, e a noite eu estava novinha em folha fazendo o público sorrir muito.

Que saudades de uma gente que nunca mais verei. Mas que em algum momento, vivemos algo divino, nesse teatro de Deus, que é nossa vida.

Sou uma atriz com uma alma cigana, sem raízes, vivendo aqui e ali, amando a todos e os deixando, para amar outros e outros... O público tem que renovar, o espetáculo também e no final, resta ninguém, apenas o palco apagado, o teatro vazio, e uma atriz deitada sentindo a energia que emana daquele espaço que vem através dos séculos para almas escravas do prazer do poder das palavras escritas, inventadas, por uma voz impostada as custas de horas de exercícios sem parar, para afinar um corpo que de tanto usar-se, desafina por si.