O TEMPO A FAVOR DO POEMA

Estimado poeta! Estive relendo os originais de teu livro e estou achando que há poemas em que a Poesia está muito rarefeita, devido à excessiva preocupação com a forma. Alguns versos estão quase ininteligíveis e me apercebo (aliás, imagino!) que houve muitas "cirurgias" sobre o primeiro momento criacional, a “inspiração”. É o que me parece: tua “transpiração”, o segundo momento de criação, foi além do necessário... Os cortes cirúrgicos ficaram “muito visíveis”, a tal ponto que comprometem o eventual entendimento do leitor.

Há versos em que não há verbos, ficando a frase sem alma... E não se trata de implicitude ou elipse. Os verbos são de indispensável concretude, em Poesia, porque são as ações representadas por estas flexões verbais que, além de definir o assunto, abrem uma janela para o leitor “espiar” e se situar no poema. Caso inexista esse cuidado com as ações (que os verbos representam), o leitor ficará sem solo pra firmar os pés e entender o que o poeta está a comunicar.

Além disso, constatei a pouca presença de figuras de linguagem, mormente as “metáforas profundas”, não apenas as ditas “de superfície”. Todavia, estou firmando convicção analítica somente agora, na quinta leitura. Foi difícil descobrir o que não me estava agradando nas primeiras leituras do caderno de poemas. Voltaremos, daqui a alguns dias, a conversar detalhadamente. Por ora, estas observações são apenas conjecturas, mero pensar em voz alta frente ao monitor.

De qualquer modo, peço que releias os poemas e faças emendas aditivas, modificativas e/ou supressivas, ao teu bel-prazer. Acho que isso será necessário, forçosamente... Algo me preocupa: o leitor de teu meio geográfico parece ser ainda muito incipiente e regionalista e é ele que irá consumir e divulgar a tua obra.

Baseio-me no que cuidadosamente observei, durante uns quatro anos, no jornal literário "Arauto", de Campo Grande/MS, o qual trazia um bom apanhado – sem nenhum critério seletivo editorial aparente – do que se estava a produzir na poética local e regional. Embora vocês possuam duas genialidades.

A primeira, Manoel de Barros, já cativa de humanismo poético, aos 95 anos, e a segunda, Raquel Naveira, por mulher lida e criativa, aos 54, que são exceções de alto patamar, o que confirma a regra de que POESIA é o "fazer criando o novo". Porém, a Poesia desses dois ícones é mais consumida em centros notadamente mais cultos, mais cosmopolitas... É o que deduzo, frente aos aportes críticos sobre suas obras.

O que me move, ao registrar esses apontamentos, é o desejo de que o novo livro prime pela qualidade de texto, tradução literária do solidarismo para com a tua gente e de tua universalidade espiritual, características que tanto me impressionam no teu agir e no criar.

O tempo transcorre a favor do poema. O bom autor sabe disso...

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/2943213