Eu vou te contar de uma dor profunda. Da maior dor que possa existir num peito humano. E ela é minha. Uma dor de ausência da própria essência, porque é assim que me sinto. É assim que tenho me sentido há muitos anos, desde quando dei por mim, e já era perda. E eu nem sei como eu seria, mas certamente não isso no que me transformei, se a sorte da roda não fosse lançada.
Só quem já provou de dor intensa, contínua, latejante, pode entender desta que falo. Só quem já provou do sabor da revolta, da humilhação interna, da chibata do inconformismo diário, da não aceitação de si próprio, do espinho cravado no fundo dos olhos, pode entender da dor que falo.
Perdi a leveza do sorriso num tempo em que não merecia tê-la perdido. Não se tira de uma criança o riso e a joga no mundo, endurecida, mas fui jogada. E por não sentir dele a doçura, comi e bebi de amarguras, das mais variadas. E tão bem nutrida fui, que não sei viver um só dia sem um motivo para descrer.
Não há uma só vez em que o espelho não me lembre de quem eu poderia ter sido e não fui. Não há um só momento em que a ausência deste pedaço de mim me abandone, para que eu viva.
Não há milagre que me devolva o nem-sei que perdi.
Não há paz, não há trégua, não há volta. Só o cheiro sincero da morte.
O melhor de mim hoje são ossos desconexos em algum fundo de terra, porque é para lá que vai tudo o que nos é arrancado. É para lá que irá o resto de mim, quando tiver que ser, mas o que irá, já há tempos desvive. Ao menos adormecerá o desespero.
A descontração final de músculos e nervos, que a alguns talvez lembre um vago sorriso.
“Oh, pedaço de mim!
Oh, metade afastada de mim!...”