SEGREDO DESFEITO

Alice,

minha doce e bela esposa.

Hoje resolvi contar um segredo para você. Não, nunca lhe escondi nada, mas me permiti reservar para mim isso que hoje quero revelar.

Todos os dias quando abro meus olhos pela manhã, contemplo seu semblante. Você dorme, calma e serena, o sono de quem tem a certeza de haver cumprido o seu dever, de quem não tem preocupações com as coisas que deixou de fazer, pois todas você as fez... e bem feitas.

E eu fico embevecido a contemplar seu rosto, que eu conheço tão bem, mas que a cada dia me revela novas nuances.

Seus olhos, agora fechados, me encantam quando piscam ávidos ao contemplar a nossa estrada, que caminhamos juntos desde o dia em que decidimos nos amar. Eles me enfeitiçam. Ora são castanhos, claros como o mel e refletem a sua meiguice; às vezes são escuros como o café e, como o café, me estimulam a seguir sempre em frente, me dão a certeza de que estou no caminho certo. De repente são negros, parecem duas jabuticabas, frutas que você tanto gosta. Nessas horas tenho a impressão que você me repreende por alguma coisa, mas, olhando bem, eles vão se clareando e num instante voltam a ser mel que tanto combina com a sua doçura.

Seu nariz, bem feito, bonito, caprichada obra de Deus para fazer seu rosto mais belo, aspira em silêncio o oxigênio vital para o seu corpo e logo após, quando expira, traduz a calma do seu sono que vai se extinguir em breve.

Apresso-me a contemplar sua boca. Quantos e quantos beijos ali depositei... quantos também eu os roubei nos momentos oportunos quando ninguém olhava!

Parece-me que você vai sorrir e, marota, pregar-me uma peça dizendo que fingia dormir enquanto eu a observava. Temendo ser pego em flagrante, fecho os olhos e quem finge dormir sou eu, com um olho aberto e o outro fechado para não perder a oportunidade de contemplar você. E você ressona e me dá a certeza de que está dormindo de verdade, e eu volto à minha apaixonada observação.

A boca, sim a boca dos beijos roubados, dos sorrisos perfeitos, das risadas francas, das palavras amigas, da repreensão, dos conselhos, das palavras de amor.

E assim fico admirando esse conjunto lindo que me encanta e me faz feliz. E tenho vontade de depositar meus lábios nos seus, mas fico com medo de que você desperte e me surpreenda, então fecho meus olhos e acabo dormindo outra vez e quando acordo você não está mais ali.

Não faz mal... amanhã eu vou fazer isso de novo, como venho fazendo, em segredo, há mais de 37 anos. A partir de agora sei que não é mais segredo, mas tenho comigo a certeza que você, quando pressentir que eu a observo, vai fingir que dorme para não me tirar esse prazer.

Perdoa-me se todos os dias roubo sua beleza só para mim, mas faço isso porque eu amo você. Muito...

Seu esposo,

Rogério.