de chuva, suor e cerveja

meu suor escorrendo na tua janela. contornando a fragilidade dos retratos em branco e preto. diluindo meus dedos, horas, chegadas e partidas. soluços e medos. fiquemos assim, na loucura tátil do quarto, gastando a vida à procura de nossos versos e avessos. buscando nas paredes infindas o finito de nossas vozes memória gostos e amanhãs. é então o lodo que vai nos redimir? quero a lama contigo, quero ainda o tédio, a fome, o gosto podre do efêmero. e também o leve, ácido, contrátil, atraente, amargo. quero o rasgo. cabides, pinturas rotas, rabiscos, café frio, o mofo. o fundo, o resto. nosso calor ébrio, sede insana, noites insones. quero o fogo e o frio, a vida e morte que se esconde nas frestas de teus olhos escuros. quero piadas baratas histórias e vícios. e quero mesmo o que seja pouco. os bares sórdidos e calçadas. compulsão, cigarros, cerveja [barata ou não]. longos goles de mania e depressão. quero o pulsante que a gente inventou pra se distrair da falta de sorte. quero só o que tua mão criou pra mim e tua boca pariu feito beijo. quero o áspero. a tinta fresca. o que se envelhece. se perde, se roça, filme antigo, música estranha. tua dança. teu começo e fim em si mesmo. a chuva percorrendo os poros. hálitos, certidão de má conduta, nosso sêmen, vida vagabunda. rotina. horários e contas. a tua e a minha intolerância à frustração. nosso suor sem etiquetas embaçando o quarto.

“A gente se olha

Se beija se molha

De chuva, suor e cerveja”

[Caetano Veloso]