Hoje eu acordei cansada, especialmente cansada...
Hoje eu acordei cansada, especialmente cansada...
Não pela noite de poucas horas de sono e infinitos pesadelos... Não por acordar muito cedo e fazer mil coisas antes de despachar os filhos para a escola... Não por ter que ir trabalhar e passar quase doze horas fazendo as mesmas coisas, ouvindo os mesmos casos, vendo as mesmas pessoas... Não por saber que ao voltar para casa, outras tantas e repetidas tarefas me aguardam... Não é por isso que estou cansada... É que me falta algo, alguém que esteja na platéia, talvez, admirando o meu empenho no corre-corre da vida... Alguém que reconheça de verdade que eu tento e que me aplauda pelo menos quando notar que eu vou desistir. Não falo de alguém que, depois que eu terminar minhas obrigações, venha despejar o cansaço do seu dia em cima de mim, sem sequer saber como foi o meu! Isso não! Meu corpo é agora um Templo Sagrado... Em ruínas, mas é um Templo e só eu tenho acesso a ele, só eu... Não mais permito ser usada por quem vê em mim apenas uma forma fácil e barata de aliviar tensões.
É estranho como aquela história infantil é oposta à realidade... Primeiro gata-borralheira e depois princesa por toda a vida! A verdade é que deixamos de ser princesas primeiro e muito cedo nos tornamos as “empregadas de baixo custo”... Desculpem, mas é assim mesmo.
E eu fico pensando que, se nada for por acaso, se nós sofremos hoje as dores que infringimos a alguém... Nossa! Eu queria estar numa montanha gigante, onde pudesse ser vista por toda a humanidade e então eu me ajoelharia e pediria perdão... Perdão a todos aqueles a quem fiz qualquer mal...
Sabem, eu penso que as coisas funcionam assim: Recebemos medalhas tanto quando fazemos o mal quanto o bem; só que as medalhas do mal tem peso de ouro e as do bem tem peso de pena...Por isso as pessoas realmente boas se elevam a grandes alturas... e os outros, os ruins, ficamos aqui, desfilando nossas maldades pretéritas, com o peso das medalhas no pescoço, enfrentando a lei da gravidade, engolindo a cada dia uma gota do veneno que, outrora, fizemos outros beberem...
Sei lá...apenas sei que estou cansada e, caminhando pelas ruas, vejo outros como eu, arrastando seus dias, engolindo seus medos, vencendo seus desafios, mas também cansados...
Por isso é tão importante um porto-seguro na vida, uma platéia (pequena, mínima, mas uma platéia). E eu não tenho esse mérito... Ainda assim, me sentindo só e cansada, eu reconheço que ,apesar das medalhas do meu pescoço, eu posso andar, enxergar, ouvir, falar, trabalhar, pensar, escrever, chorar... Esse Templo em ruínas que eu sou (lembram?) ainda abriga muitas bênçãos! E eu preciso delas, preciso muito!
Nós conquistamos, no decorrer da existência, algumas atenções preciosas, mas que se perdem com o tempo... Ai vem a sensação de que a melhor companhia que podemos ter é a solidão... Ela não ouve nosso choro, atura as nossas lágrimas, não reclama e não dá palpite, apenas fica ao nosso lado por todo o tempo que desejarmos. E ainda assim, nos cansamos de sua companhia.
Decorridos quase 17.500 dias da minha existência na Terra, percebo agora que evoluir é não precisar estar num palco... É não necessitar de olhares admiradores, de aplausos em forma de elogios. Evoluir é servir sem necessitar ser servido... Algo assim, do qual estou quilometricamente longe, muito longe,
Não sei que é o tédio que cansa, se é a platéia que falta ou é o medo que às vezes assalta... Sei apenas que hoje acordei muito cansada... Especialmente cansada.
Mira Dias
Abril/2011
"Ando tão à flor da pele
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar..." (Zeca Balero)