Arraial do Tijuco, 28 de maio de 1.756.
Minha adorada filha e meu estimado genro,
Como vão vosmecês? Que esta os encontre sãos e na santa paz de Deus. Helena deve repousar ao máximo e espero que esteja cumprindo devidamente as orientações de sua boa mãe.
Escrevo para dizer-lhes que a partir desta data Bastiana não é mais nossa parenta – não a reconheço como filha e vosmecês não devem reconhecê-la como irmã. Tomei esta drástica medida como forma de preservar nossas famílias da garrulice1 alheia. Hoje mesmo pela manhã, o contratador João Fernandes chamou-me a conversar e segredou-me que um de seus homens viu Bastiana em um acampamento próximo à estrada que leva a Villa de Nossa Senhora dos Remédios de Paratii2. O bom homem foi ter com Bastiana e dizer de nossa aflição sobre seu rapto, e ela disse-lhe que não havia sido raptada, mas que havia escolhido ir embora com seu então noivo. Espantado, o homem ouviu e viu que Bastiana se enamorara por um efebo3 vaganaus4 e que seguiu caminho com ele, abandonando o Senhor João Augusto Pereira. Nesta hora, vi que Bastiana não passa de uma rascoa5 e, portanto, não pode ser parte de nossa augusta6 família. Seguindo o conselho de Helena, eu havia desfeito o contrato de casamento antecipadamente. O prejuízo seria muito maior se ela tivesse se casado.
Contei para Maria Joaquina sobre o ocorrido e ela teve um deperecimento7. Um suor frio tomou conta de todo seu corpo. Está acamada, não come direito e está bastante indisposta e desgostosa. Não se conforma e não sabe onde falhou. Tentei acalmá-la e disse-lhe que não houve falha. Vejamos Helena, uma altiva dama de nossa sociedade, amada e admirada por ninguém mais do que Dona Chica da Silva, a mulher do Contratador João Fernandes. O problema era mesmo Bastiana... Resta-nos elevar nossas preces a Deus para que ela não envergonhe ainda mais nossa família.
Minha filha amada, peço-lhe que se puder visitar sua mãe, venha. Ela não come nada desde que lhe noticiei o paradeiro de Bastiana. Tenho certeza de que vosmecês possuem bons escravos que possam carregar Helena com o devido cuidado.
Despeço-me de vosmecês, com a minha bênção.
José Dilermando Gonçalves
1 Garrulice – tagarelice
2 Villa de Nossa Senhora dos Remédios de Paratii – antigo nome de Paraty
3 Efebo – jovem, adolescente
4 Vaganaus – vadio, desocupado, maganão, mariola
5 Rascoa – meretriz
6 Augusto(a) – que merece respeito, reverência; venerável
7 Deperecimento – desfalecimento, esgotamento
Leia também:
Carta VII - O destino de Bastiana
Carta VI - Enfermidade ou gravidez?
Minha adorada filha e meu estimado genro,
Como vão vosmecês? Que esta os encontre sãos e na santa paz de Deus. Helena deve repousar ao máximo e espero que esteja cumprindo devidamente as orientações de sua boa mãe.
Escrevo para dizer-lhes que a partir desta data Bastiana não é mais nossa parenta – não a reconheço como filha e vosmecês não devem reconhecê-la como irmã. Tomei esta drástica medida como forma de preservar nossas famílias da garrulice1 alheia. Hoje mesmo pela manhã, o contratador João Fernandes chamou-me a conversar e segredou-me que um de seus homens viu Bastiana em um acampamento próximo à estrada que leva a Villa de Nossa Senhora dos Remédios de Paratii2. O bom homem foi ter com Bastiana e dizer de nossa aflição sobre seu rapto, e ela disse-lhe que não havia sido raptada, mas que havia escolhido ir embora com seu então noivo. Espantado, o homem ouviu e viu que Bastiana se enamorara por um efebo3 vaganaus4 e que seguiu caminho com ele, abandonando o Senhor João Augusto Pereira. Nesta hora, vi que Bastiana não passa de uma rascoa5 e, portanto, não pode ser parte de nossa augusta6 família. Seguindo o conselho de Helena, eu havia desfeito o contrato de casamento antecipadamente. O prejuízo seria muito maior se ela tivesse se casado.
Contei para Maria Joaquina sobre o ocorrido e ela teve um deperecimento7. Um suor frio tomou conta de todo seu corpo. Está acamada, não come direito e está bastante indisposta e desgostosa. Não se conforma e não sabe onde falhou. Tentei acalmá-la e disse-lhe que não houve falha. Vejamos Helena, uma altiva dama de nossa sociedade, amada e admirada por ninguém mais do que Dona Chica da Silva, a mulher do Contratador João Fernandes. O problema era mesmo Bastiana... Resta-nos elevar nossas preces a Deus para que ela não envergonhe ainda mais nossa família.
Minha filha amada, peço-lhe que se puder visitar sua mãe, venha. Ela não come nada desde que lhe noticiei o paradeiro de Bastiana. Tenho certeza de que vosmecês possuem bons escravos que possam carregar Helena com o devido cuidado.
Despeço-me de vosmecês, com a minha bênção.
José Dilermando Gonçalves
1 Garrulice – tagarelice
2 Villa de Nossa Senhora dos Remédios de Paratii – antigo nome de Paraty
3 Efebo – jovem, adolescente
4 Vaganaus – vadio, desocupado, maganão, mariola
5 Rascoa – meretriz
6 Augusto(a) – que merece respeito, reverência; venerável
7 Deperecimento – desfalecimento, esgotamento
Leia também:
Carta VII - O destino de Bastiana
Carta VI - Enfermidade ou gravidez?