BATALHA
Batalha-Piauí, domingo, 18 de agosto/91.
Prezado professor Arimathéa.
Mais uma vez eu e o Geraldo acordamos com os raios sobre nós e naturalmente que os nossos olhos constataram o comum espetáculo do nascer do sol. Antecedeu-nos uma noite serena e de bom clima, amenizando as dores duodenais que me têm acompanhado há alguns dias. Sei que gozarei ainda da ausência desse desconforto. As providências estão sendo tomadas, fisicamente e espiritualmente. A minha fé é uma realidade salutar. Confesso-lhe que às vezes me desespero. Não cheguei à santidade. Lembrei-me do Cardeal Avelar Brandão Vilela que fez uma bela poesia pedindo perdão ao seu estômago, por não tê-lo tratado melhor. Portador do impiedoso câncer que o vitimou, ainda conseguiu perdoá-lo.
Às 11h estamos na Bela Vista, lugar muito frequentado, onde a água corre entre as pedras e boa parte se acumula entre poços rochosos. Porém agora a água está escassa. Geraldo, Márcio, seus pais e Messias estão acomodados a uma distância. Ficaram a Jéssica, seus pais e o restante dos familiares para nos juntarmos em outra oportunidade. Busquei a solidão dos seres humanos, por alguns momentos, na tentativa de encontrar o que a Natureza pode ofertar, com maior intensidade. Não fossem alguns gorjeios de pássaros e canções do vento, escutaria o barulho do silêncio. Aliás eu o escuto, quando os dois fatores citados me permitem. É divino mergulharmos profundamente no âmago do ser e melhor adquirirmos a consciência da grandiosidade da Obra Divina.
A terra está seca. Mesmo assim muito verde à vista. O branco das nuvens se faz presente no céu puramente azulado. Há momentos em que me sinto totalmente pesada e gostaria de poder gozar mais demoradamente a sensação de leveza que o alto oferece. Entre o ficar aqui e o subir lá, escolho o último, por carecer minha alma. Não suportaria continuar viva não me fosse dado o privilégio da avaliação entre o céu e a terra. A singularidade para que a diferença nos leve ao equilíbrio e à escolha acertada.
O vento está jorrante e me lava os pulmões e o cérebro se beneficia, estendendo-se por todo o ser. E assim, presentes sem preço, ganho.
Após almoço repousamos no aqconchegante e simples alpendre para esperarmos a hora do retorno. O sol já passa do centro do céu e nos reafirma a sua importância. As folhas das dotadas árvores balançam incansavelmente. Uma cigarra canta em prenúncio de um longo verão. O piu-piu dos pintinhos que acompanham a mãe. O gato, como se rei seja, faz pose de senhor único. Borboletas amarelas sobrevoam o quintal. Dona Rosa está conosco.
Busco o contato direto das mangueiras e em dois galhos possantes faço ficar uma rede e sobre ela entrego meu corpo e observo que se tornaram maiores. Para desprazer constato cupins que possam extinguir-lhe a vida. Espero não chegarem a tanto para que as mangueiras continuem ofertando, não só a mim, mas a todos que as procurarem, o conforto que recebo. É vida que ganha o alto e que se firma na terra.
Professor, mando-lhe recorte do jornal Diário do Povo, de 07/08 de julho último, ano III, nº 1098, matéria referente ao Motorista Gregório. Fico com as declarações de NA e do próprio Gregório se pudesse se fazer presente fisicamente ou então só meu finado sogro.
Acompanha esta, mel de abelhas batalhenses. Mel faz prolongar a vida. Espero que o senhor faça bom proveito.
Atenciosamente,
Francisca Miriam.
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Do livro “Correspondências de A. Tito Filho para Francisca Miriam”, Edição da autora, Teresina, Gráfica e Editora Júnior Ltda.,1995, páginas 91 e 92.
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