Sobre Belém do Pará

Teresina, 05 de novembro/89

Prezado professor Arimathéa.

Sou-lhe grata e à D. Delci pelas delicadezas de que fomos alvos (eu e a Jéssica), quando estivemos na APL, em 31 de outubro último. Mando-lhes, com muito carinho, guaranás da terra paraense. Presente régio de natureza divina (suas palavras).

Em 01 deste, às 19h, ganhamos a BR 316, percorrendo, mais uma vez, 902 km de estrada brasileira, rumo a Belém do Pará. Às 18h do dia 03 estávamos à espera que o portão do depósito da Cerveja Antártica se abrisse para que fosse efetuado o serviço de rotina. Enquanto isso, o sol aquecia o que a noite deixou. Uma fileira de 14 carros, acrescida de mais um, o nosso caminhão. Entre as orações verbais existentes nos pára-choques dos veículos transportadores, anteriormente não vistas por mim, escolhi estas: Antes eu sonhava. Hoje nem durmo; Volantes são troféus de heróis não reconhecidos. Conforme o senhor falou que o motorista do Brasil continua herói – necessita de alguém que escreva o romance de seus sacrifícios. Eis que, sempre solidária com esses profissionais, escrevi expediente em 88 para algumas autoridades do país, que segue junto a esta, em cópia. Cujas palavras saíram do meu mais profundo ser. Bem sei que o senhor as analisará devidamente.

Assim como o senhor falou que gosto de viajar, não fosse o que me prende em Teresina (pessoas de minha mais alta estima), não deixaria de sempre estar com o esposo. Ganhar, pois, mais uma função: a de ajudante nas estradas. É bom sentir o carro deslizar sobre o chão; vistoriar a terra e o céu bendito, bem como tudo o que eles contêm. Parar o carro e no silêncio e na escuridão da noite, quando a lua está do outro lado, ver, a olho nu os pontos luminosos do alto e, ainda, respirar o ar puro das matas. São tantos os benefícios que é impossível a indiferença. Somente sendo possível para quem não tenha o mínimo de sensibilidade. O que naturalmente não é o nosso caso. Eu, particularmente, até sofro muito por essa característica. Porém, experimentaria, de bom grado, o inverso? Avalaria as boas amizades? Enfim, lutaria para merecer um lugar ao Sol? Bem sei que ele nasce para todos, mas quero merecê-lo. Outrossim, a luta pelo restante necessário. Avante, pois, na conquista, na análise, no buscar. Não poderia me escapar, por exemplo, a semelhança, entre si, dos legítimos paraenses, assim como toda terra quando se trata de seus descendentes. Estes, de origem indígena. Baixos, quase sempre morenos, cabelos lisos. A Lílian, que não é paraense, faz-me lembrar uma delas. Acho-os bonitos, quase que em sua totalidade. Lembram-me de uma sábia oração verbal: as melhores essências estão nos menores vasos.

Lá, em uma das avenidas da Capital paraense, Tavares Bastos, desfilaram, sem cessar, pelas horas que estive à espera que fosse carregado o caminhão Mercedes AB-5560, carros dos modelos: Opala, Cadette, Brasília, Volks, Passat, Gol, Marajó, Parati, Chevette, Monza, Caravan, Del Rey, Santana, Corcel, Scortt, Voyage, Chevy, Bugre, ônibus, motocicletas, pessoas não motorizadas.

Às 13h o portão principal do depósito se abriu permitindo a saída do caminhão esperado e de seu mais esperado ainda caminhoneiro Geraldo a fim de nos possibilitar o retorno ao Piauí, onde deixamos nosso lar, familiares, amigos etc.

Na próxima visita, na APL, pretendo levar-lhe o Márcio. Também é uma criança mimosa e graciosa (palavras suas à Jéssica).

Atenciosamente,

Francisca Miriam.

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Do livro “Correspondências de A. Tito Filho para Francisca Miriam”, Edição da autora, Teresina, Gráfica e Editora Júnior Ltda.,1995, páginas 76 e 77.

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Francisca Miriam
Enviado por Francisca Miriam em 24/03/2011
Reeditado em 24/03/2011
Código do texto: T2868684
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