CARTA A QUEM SILENCIA
Teve um tempo que me falavas tanto, tanto, tanto.
Dizias que eu não te compreendia, que eu não parava para pensar no que estavas a me falar.
Engana-te. Eu tudo ouvia. Cada palavra tua eu bebia.
Naquele tempo parece que tinhas tempo. Me dedicavas teu tempo.
Mas tudo muda. A vida não é imutável.
Fazemos parte de uma grande viagem.
Muito grande mesmo. Viajamos pelo infinito de mãos dadas, já nos perdemos, nos reencontramos. Novamente nos perdemos, encontramos de novo... e acho que nos perdemos.
É deste jeito que a vida age com quem muito se ama? E nos amamos (será que só eu sei disso? – acho que sim)
Certa vez me disseste algo que me marcou a alma. Foi dito num conto. Dizias que era fantasia, mas é para mim um contraposto.
Tem horas que recordo certas coisas e sinto um desgosto.
A vida age a seu gosto.
Dizias assim: que os dois amantes sempre estariam dependurados entre o real e o sonho.
Falavas que era a sina dos personagens e me incorporei na mulher da história. E tu eras o homem.
Tu, meu amado, que te esquivas sempre.
Escorregaste quando eu te apontei uma montanha. Uma casa... um pinheiro.
Lembro de tanta coisa.
Tudo fantasia? Minha? Tua?
Outro tempo...
Diriam que enlouqueci de amor naquele tempo.
Não sei se foi de amor, ou foi a lembrança de tanto amor.
Mas, aqui estou. Enquanto silencias, sou só eu a falar, a falar, a falar...
Estás em algum canto a me escutar?
Estás. Sei que estás. Mas te assusto.
O passado pesa tanto que te assombra.
Somos uma sombra que um dia diante do espelho arrepiou toda.
Somos esta sombra de ontem... te garanto que somos.
Mas hoje não agüentamos o peso do que a vida diz.
E ela não se aquieta como tu. Ela diz... é, a vida diz...
E uma hora será que também me aquietarei?
Confesso que não sei.