IMAGINÁRIO LUSITANO

Uma carta sem destino,

e sem resposta.

Sem lugar, sem dia, sem mês, sem ano.

Quarta-Feira de Cinzas

Saudações

Já faz muito tempo, mas ainda me lembro como é que se faz uma carta. Aliás, imaginar-me escrevendo uma parece um retrocesso, afinal, já existe o msn, a web cam. Mas ao concretizá-la, ao desenhar cada letra, materializo-me, concretizo-me também um pouco, e de certa forma me dobro, entro no envelope, viajo, e me apresento ao toque suave de suas imaginadas mãos. Estas que, ao abrir a carta, irão me encontrar. Sim, porque as cartas, não aquelas de cobranças, mas estas feitas à mão, conservam e muito a concretude da vida.

Dificilmente escreveria uma carta para alguém que mora perto, afinal, existe o telefone. Mas a distância, a impossibilidade do alcance, proporciona...como eu posso dizer...talvez o sonho, aquele devaneio para o qual sempre vamos quando a realidade já não preenche os nossos desejos.

Os modelos de cartas os quais tive - não os dos literatos- pois estes conheci bem depois, mas aqueles de meus pais, me demonstraram desde cedo o poder de uma carta. É bem certo que o tempo em que meus pais se correspondiam era bem outro e a realidade mais outra ainda. Mas nem a tecnologia, nem o passar dos anos têm o poder de modificar a imutável natureza humana. Esta ainda continuará a mesma em 1900 ou 2900. Aqui em São Paulo ou em Pequim.Na família dos ricos ou na solidão dos pobres. É isso que nos une como seres humanos. E mesmo falando diferentes línguas - o que não é o nosso caso- mesmo sendo tão distantes em tantos aspectos múltiplos e variados, é essa imutável natureza que nos une, mesmo diante da distância que nos separa.E é por isso que te escrevo.

Uma carta, por mais que tenha um destinatário, não deixa de ser um extenso monólogo consigo mesmo. Porque tanto no momento da criação,quanto no da recepção, escrever, ler, ter, ser uma carta é um ato solitário. E é talvez seja por me sentir só, por ter sido calada quando queria dizer, que me transformei em heterônimo virtual em busca de algo que não consegui encontrar na realidade.Esta que apesar de ser muito mais palpável, pode e com muita freqüência se faz tão impossível quanto os maiores sonhos inatingíveis. Basta estar só em meio a multidão para perceber.

Mas o acaso te fez presente na ausência.Um outro heterônimo, quem sabe a qual busca? Você nunca me falou. Mas acredito que ao menos nessa busca não estou só. E fico feliz por haver encontrado em ti aquele minuto de sinceridade que tanto me faltou.

“Pode ser pra sempre, pode não durar”. Mas o que importa? A vida é feita de momentos.

Em algum lugar da peninsula Lusitana.

Jannus Jannus

Mariana Montejani
Enviado por Mariana Montejani em 14/03/2011
Reeditado em 27/10/2011
Código do texto: T2848506
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