CARTA ABERTA A UMA MULHER

Linda mulher,

Hoje, andam dizendo, por aí, que é o seu dia. Admira-me muito isso, sabia? Por que hoje é o seu dia? O que você fez para que fosse designado a você, por Lei, um dia especial? Que eu saiba você é igual a mim – sem tirar nem pôr. Senão, vejamos: o ser humano – eu, você – faz parte do Reino Animal, Filo dos Cordados, da Classe dos Mamíferos, da Ordem dos Primatas, subordem Anthropoidea, da Superfamília Hominoidea, Família dos Hominídeos, do Gênero Homo e da Espécie H. sapiens, sapiens. Pronto. Alguma diferença?

Eu, particularmente, não vejo distinção entre o que você faz e o que eu, todos os dias, faço também. Mas, só para tirar as dúvidas e você não me chamar de insensível, vamos enumerar as suas atribuições e as minhas, certo?

Vamos começar pelo seu dia. Eu sei, não precisa me dizer, que você é quem acorda mais cedo, prepara o desjejum da família, acorda as crianças, bota-os para tomar banho, arruma-os, prepara os lanches, senta-os à mesa, dá-lhes o café. Em seguida, eu sei que você corre para o quarto e acorda o maridão. Enquanto ele resmunga, você toma seu banho, troca de roupa, se maquia e já sai linda e maravilhosa para se sentar – enquanto (ainda) as crianças estão à mesa – para tomar o seu café. Eu sei de tudo isso, mas, tem uma coisa no meio disso tudo: na sociedade em que vivemos, isso é uma das obrigações de uma boa esposa. Afinal de contas, o homem é o “dono” da casa e sua principal obrigação é trabalhar para dar o sustento da família.

Eu sei. Você também trabalha. Quero dizer, fora de casa. E leva as crianças para a escola. E vai buscá-las. E quando chega – do primeiro expediente – consegue, em milagrosos minutos, aprontar o almoço para quando o maridão chegar não se preocupar em ter que atrasar a volta para o trabalho – e a sua também. E o período da tarde? Sim, eu também sei. Se suas crianças são pequenas: creche integral; se não, a sua mãe ou a mãe do maridão cuidam delas enquanto você dá o seu expediente vespertino. De qualquer forma, elas ficam com uma mulher, só agora me toquei. Porém, nada de anormal. Inclusive, com um homem é que não devem ficar. O homem não tem sensibilidade e nem paciência para aturar meia hora de “conversa” com elas. E criança precisa de carinho, afeto, aconchego, confiança e, claro, isso só uma mulher pode dar. Portanto, somente uma das obrigações de vocês.

Ah, ia me esquecendo. À noite, quando você chega em casa – depois de passar pela casa da sogra ou da sua mãe, ou ainda, na creche – dependendo dos casos – para pegar as crianças, é hora de cuidar da casa, não é? Aliás, cuidar da casa é outra obrigação da mulher. Acredito que nenhum homem gosta de ver a “sua” casa desarrumada e cheia de pó. Mas, resolver esse probleminha é fácil para você, pois eu vejo isso todos os dias aqui em casa. Ora, se isso fosse difícil de fazer, você reclamaria. E você não reclama, tenho certeza, pois a daqui não reclama nunca. Por falar nisso, eu sei que é nessa hora que você recolhe as roupas do dia (suas, do maridão e das crianças), coloca-as junto com as do cesto de roupas sujas, na máquina de lavar (isso, enquanto acaba de aprontar a cozinha e de lavar a louça do meio-dia) e, para não perder o embalo, já prepara a janta da família. Nada sofisticado, afinal de contas, é apenas o aniversário do maridão. Por isso, você passou, quando vinha do trabalho, na confeitaria e pegou o bolo que tinha encomendado – uma surpresa diferente a cada aniversário – para depois da janta todos cantarem os parabéns. Nesse ínterim – digo porque eu vejo aqui em casa como é – você apronta a mesa para as crianças fazerem as atividades da escola, manda-as tomarem banho e se aprontarem para a ceia, toma o seu banho, coloca aquela blusa comprada especialmente para a ocasião, dá um trato nos cabelos e passa um batonzinho básico. Em seguida, lembra-se das roupas na máquina e vai lá dar uma olhada. Quando chega, ela já está na fase do enxaguar. Na volta, abre o forno e comprova que o assado já está no ponto. Desliga-o. Para não perder a viagem, eu sei, você coloca os pratos na mesa, decora-a com um arranjo comprado na floricultura do bairro, olha em volta, se dá por satisfeita e vai esperar o maridão, sentada no sofá da frente – como se o mundo não existisse – e, principalmente, como se o seu dia não fosse recheado de dificuldades e afazeres. Contudo, eu devo lembrar-lhe: todas vocês fazem a mesma coisa. Portanto, uma apenas não pode reclamar.

Bem, até agora, eu não vi nada demais. Com certeza, o seu marido quando chega, a primeira coisa que recebe é um beijo, não é? Claro! – vocês mulheres são todas iguais! Até aposto que você o segue e o ajuda a tirar a sua roupa, não é mesmo? Ah! Ia me esquecendo: o banheiro, sem sombra de dúvidas, já está preparado para recebê-lo, não está? E a bermudona para depois do banho já deve estar em cima da cama, não é? É... É assim mesmo que a daqui de casa faz. Por isso é que eu disse que vocês são todas iguais. Só uma pergunta: você também fica ouvindo-o enquanto ele toma o banho? É mesmo? Puxa! A daqui também.

Mas, deixemos esses pequenos pormenores de lado. Eles não levam a nada. O que eu estou querendo mesmo é provar que vocês não merecem esse dia exclusivo. Afinal de contas, servir um jantar especial para o pai dos seus filhos não é algo fora do comum, nem muito menos, preparar os detalhes.

Eu fico até vendo, daqui, o que aconteceu depois da janta: as duas cadeiras de frente para o televisor. Ele vai na frente, é claro. Eu sempre faço isso aqui. Não é porque eu queira. É que vocês têm que cumprir com mais uma obrigação. Ou várias obrigações: tirar a louça da mesa, lavá-la (a daqui não deixa para o outro dia, ela diz que atrai doenças), tirar a roupa da máquina, colocá-la no varal, limpar a cozinha, guardar a louça; enfim, depois dos parabéns do aniversário do marido, tenho certeza, foi preciso passar até pano no chão (aqui em casa quando tem essas “surpresas” o povo daqui sempre deixa cair pedaços de bolo e respingos de refrigerantes no chão) para deixar a casa pronta para o outro dia.

Só para você ter uma ideia, eu sempre reclamo com a minha esposa porque ela não vem logo ficar do meu lado. Afinal de contas, eu preciso desabafar com ela sobre o meu dia, enquanto assisto TV. E se você for igual a ela, o cafuné é sagrado. Mas, a massagem nos pés não fica atrás. Sempre tem, não é?

Infelizmente, você é de todos nós de casa, certo? Por isso, eu tenho certeza de que você, antes de se sentar, vai dar uma olhada nos deveres dos filhos, fazê-los terminar logo e, se forem iguais aos daqui, encaminhá-los mais cedo para a cama. Afinal de contas, o dia de amanhã começa cedo.

Então, depois desses pequenos “percalços” para você não estar sentada ao lado do maridão, ouvindo suas lamúrias do escritório (sabe, acabei de pensar numa coisa: você nunca reclama do seu ambiente de trabalho? Pergunto isso porque a daqui não reclama nunca!), finalmente você se senta. E escuta. E aconselha. E consola. Porém, na hora do jornal, não pode falar. Eu sei que é errado, mas é uma norma familiar criada por nós homens: hora do jornal é sagrada, tem que se ficar em silêncio.

Bem, não sei na sua casa. Mas na minha, depois da novela (aqui eu sempre interrompo a minha esposa quando ela está assistindo – também faz até bem. Mulher que fica grudada na televisão, assistindo novelas só adquire maus hábitos! –, pois eu sempre preciso de alguma coisa, como, por exemplo, onde foi que eu deixei a calculadora ou os meus óculos de leitura. Desculpe, minha linda, mas são vocês quem arrumam a casa e sabem onde se encontra tudo nela), é hora da minha esposa ir dormir. Eu até hoje não entendo o porquê de ela levar tanto tempo para, depois que diz que vai dormir, chegar ao quarto e se deitar. Com você é assim também?

Está certo que, algumas vezes, eu fico observando-a e vejo-a abrindo o freezer e tirando o congelado para ser descongelado para o dia seguinte; vejo-a recolher a roupa do varal (ela diz que pode ser que chova durante a noite ou que pode alguém entrar no muro e levar o que ela lavou); vejo-a quando ela certifica-se de que está tudo fechado, quando apaga as luzes da área de serviço, depois as da cozinha; quando entra no quarto das crianças e cobre-as (digo isso porque eu nunca os vi descobertos depois que ela passa por lá – e olha que, de vez em quando, eu dou uma passada lá, sobretudo, quando eu preciso que o meu filho acerte o despertador do meu celular) e apaga, também, as luzes do quarto (acho até que ela os beija, pois eu ouço eles dizerem: “mamãe eu lhe amo”, todas as vezes que eu escuto um estalar de lábios como se fosse nas faces deles) e quando ela vem até a sala, eu sempre observo-a escrevendo umas anotações na sua agenda (acho que são tarefas lá do escritório que ela anota para não esquecer). É desse jeito, minha linda, aí em sua casa?

Na verdade, eu não posso reclamar da minha esposa. Acredito que o seu maridão não reclama de você, pois depois de tudo isso, ela ainda passa por mim e dá aquela olhada – você entende, não entende? É aquela olhada que diz tudo sem precisar dizer nada pela fala – e vai para o seu quarto. Sabe, eu sempre dou um tempo para poder ir, em seguida. É que eu já me acostumei que ela ao entrar no quarto ainda vai juntando as coisas que eu sempre deixo jogadas pelos cantos – não é que eu queira, sabe, mas eu não me preocupo porque eu sei que ela faz isso por mim – e, depois, ela vai tomar um banho, passar aquele óleo de amêndoas que eu adoro, pôr aquela camisola que me deixa doido e ainda passa aquele perfume na nuca que me leva à loucura! Aí é assim também?

Agora eu lhe pergunto: o que vocês fazem tanto ou tão diferente de nós para que tenha sido criado um dia chamado “Dia Internacional da Mulher”?

Só pode ser por uma coisa que vocês fazem e nós não fazemos: dar à luz um ser vivo! É isso! Porque, tirando isso, a rotina de vocês é mais fácil que a nossa. Ah! Por falar em rotina, a minha é desgastante. Acordo cedo – é claro que a minha esposa sempre me acorda –, tomo banho, tomo café, vou trabalhar, volto para casa, tomo banho, janto, assisto televisão, reclamo do meu dia (para a minha esposa), e quando já não aguento mais, vou dormir, pois eu não sou de ferro.

Está vendo? As mesmas coisas que vocês...

Minha linda, estou brincando. Sem vocês nós não seríamos nada. Essa história de sexo frágil é história "para boi dormir". Aliás, boi somos nós que só sabemos fazer isso mesmo. Sabe, eu fico pensando como pode haver tanta disposição, tanta perseverança, tanta força de vontade numa criatura. Acho que aquele ditado, que é comumente dito pelas bocas que sabem reconhecer o valor de uma mulher, é a cópia fiel da sua imagem: “a mulher é um anjo, mandado por Deus, para cuidar da humanidade”.

Parabéns a todas vocês! Feliz Dia Internacional da Mulher! Ah! Só uma coisinha: mulher não é para ser entendida (aquela história de ser mais emoção do que razão), é para ser amada... sempre.






 


Obs. Imagem da internet


Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 08/03/2011
Reeditado em 04/02/2012
Código do texto: T2836449
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