Perdas nossas de cada dia
 
Para uma Flor que sangra
 
Não somos nem bons nem maus:
somos tristes. Plantados entre chão
e estrelas, lutamos com sangue,
pedras e paus, sonho e arte.
Nem vida nem morte:
somos lúcida vertigem,
glória e danação.
Somos gente: dura tarefa.
Com sorte, aqui e ali a ternura
faz parte.
      Lya Luft- Dança Lenta
 
Minha querida amiga
 
           
Quero iniciar pedindo desculpas por ainda não ter lhe procurado para lhe dar um abraço e também confessar que, em certos momentos, minha capacidade, meu jeito de lidar com a dor e o sofrimento é limitada demais, quase covarde e não consegui arranjar forças, deixar que a razão mais que a emoção, que a tristeza mais que a solidariedade, comandem a minha vontade.
          Também lhe dizer que li um a um seus artigos e chorei a cada um deles não apenas por amizade e solidariedade, mas também porque a dor que lhe faz sangrar em cada texto é a dor dos meus pais quando a banalização da violência aqui no nosso estado, na nossa cidade, lhe arrancou dos braços e do nosso convívio um de seus filhos. Sua dor e a dos seus é a nossa dor de não mais abraços, não mais festas juntos não mais alegrias ou tristezas, não mais brigar ou fazer as pazes, como fazem as famílias que aprendem na prática a lição da união e do amor como um valor insuperável.
            Eu sei que a dor da perda de um filho é irreparável, Minha Flor, por qualquer ângulo que se olhe, e será ferida reaberta diuturnamente enquanto a justiça não se fizer, enquanto a impunidade encorajar a tantos, enquanto os algozes encontrarem justificativas para matar, mais e mais vezes  até quem já enterrado está.
             A mão armada, argumento de covardes, tem sido motivo para muita dor e sofrimento para as famílias alagoanas. A sua voz, a sua luta é a voz e a luta também dessas famílias imersas na dor e no silenciamento que a tortura, a impunidade e a morte de um dos seus lhes impôs. A sua voz que tanto em sua vida de educadora já se colocou ao lado dos que sofrem, dos sem quase nada, a sua voz que já se fez arauto de tantas batalhas, agora carrega também a bandeira da luta para que seu anjo descanse em paz,
para que não seja um dígito a mais nas estatísticas  vergonhosas da morte em Alagoas, para que, finalmente, a justiça sobreviva,.
             A você e aos seus a minha solidariedade, as minhas preces e também a minha voz que se irmana a sua. Sei que seu amor de mãe lhe dará a força necessária para continuar na luta. Desculpe-me pela minha covardia em não lhe procurar ainda, mas torço para que a sua família  e todas as famílias vítima de violência encontrem a paz na justiça, no fortalecimento dos laços de amor e solidariedade que todos merecem.
           Fica com Deus, minha Flor.
  

PS.1 A  foto foi tirada por mim na caminhada, dia 10/02/2011, contra a violência em Alagoas. Durante este ato público organizado pelos movimentos sociais e sindicatos, 50 cruzes foram penduradas nas grades do Palácio República dos Palmares e outras 50, na Praça Marechal Deodoro, no Centro, representando os 2.214 homicídios ocorridos no ano passado.

PS.2 Conheçam o blog de Ana Claúdia Laurindo, mãe  e educadora conheçam  sua história de luta em defesa da justiça: http://blogdeanaclaudia.zip.net/