Um Desejo de não ser
Tudo vermelho, os meus olhos pegando fogo...
Assim diz a musica, e assim eu começo esta carta, a derradeira, ou talvez, só mais uma dentre tantas.
Eu olhei pela janela e vi um céu diferente. Turvo e sem estrelas. Nuvens que hesitavam em despencar em chuva. Nem quente nem frio, meu quarto à meia luz. Na boca, gosto de vinho seco. Na memória uma mulher distante.
Eu não me sinto em casa hoje... na verdade já faz anos que eu não me sinto em casa.
Não me sinto adulto, não sou mais criança...
Eu não sei o que sou. E essa sensação... esse profundo “não saber” torna tudo mais difícil.
Todo os dias eu paro e me olho no espelho. Nunca gosto do que vejo.
Ligo o chuveiro frio sobre mim mas o calor não cede. Me farto de água, mas a sede persiste.
Lavo meus olhos, mas o fogo continua.
Saio de casa. A mesma rotina, a mesma falta de foco
O mesmo gosto de café amargo, o mesmo papel em branco ameaçadoramente em minha frente.
Nem parece que eu cheguei aonde cheguei.
Eu simplesmente não sei, como cheguei aqui, e no entanto aqui estou.
Apartado de tudo que me é caro,
Me fartando de prazeres caros, mais caros do que posso pagar
Nem parece que cada sorriso, cada abraço que eu dou só serve para esconder que eu não tenho nada.
Eu olho pela janela. Ela me convida a pular...
Não, essa não é uma missiva suicida. Não vai ser hoje.
Eu só escrevo, por que não durmo.
E o sono que me falta a noite, ataca de dia.
Ataca com uma sonora letargia
Em cada passo que eu dou há um desejo de parar.
Eu inspiro e transpiro um desejo pela estase eterna
Desejo de não pensar
Desejo de não querer
Desejo de não ser...