EXÍLIO A PUNHAL E LÍRIOS

Amada linda e musa da infância!

Estamos em Laguna, nessa Santa Catarina, a ver os familiares da raiz de Andréa, dentre os quais dois petelecos: Antonio Carlos, de treze anos, e Verônica, de oito, que são “figurinhas” de primeira, tão agarrados conosco que nem dá pra se imaginar... Os recadinhos deles, no Orkut, demonstram, pela inocência e doçura, o quanto estão apegados a nós.

Andréa, neste momento, está no hospital de Tubarão, a trinta km, acompanhando a sua mana Rosane, de quarenta e um anos (quatro filhos vivos) que fez, há três dias, sem o saber, um aborto espontâneo, e foi somente ontem para a emergência, devido ao movimento nas duas casas comerciais que a família tem aqui na praia da Barranceira, a 12 km do centro de Laguna.

Voltaremos pro Passo de Torres daqui a uns dois dias e, a 15 estaremos em Porto Alegre, para uma revisão médica com o endocrinologista, já que estou com os pés muito inchados desde o período das festas de final de ano... E não melhoram, mesmo depois de certos cuidados... É mais uma novidade em minha saúde.

A mãe, em Pelotas, ao que os fatos indicam, está em fase terminal, desde o mês de abril passado... Cumpre a sua longa sina, aos 84 anos... Agora, não mais quer sair da cama, por lhe doer o corpo inteiro e o espiritual a cair sobre a matéria... Não quer conversa com ninguém e vira pra parede quando chegam visitas. Por formação espírita, sabe que tem de suportar o fio de vida que escorre como um filete de água e que não retorna à nascente... Como todas os nascedouros desse mundão de Deus... A irreversibilidade dos passos dados, no viver, é um fato inconteste...

Como bem podes ver, pelo vago relato, a vida corre com as suas novidades, tudo ao seu tempo e circunstâncias...

Como está o amigo Alfredo? Não vou a Florianópolis já faz mais de três anos, porém, quando for ou formos, daremos com os costados em casa de vocês, correto? Grato por lembrares a figura de meu velho e amado pai, de saudosa memória, passado pra outra margem desde 1989. Eu continuo o mesmo – amigo de meus amigos, fiel às sagradas memórias que me fizeram homem e condenado ao pensar...

Amo a minha gente dos carreteis da infância, lá onde estão raízes de pés descalços e coração à busca do amor e do futuro... Tu estás nestes albores como os lírios brancos, rosa e lilazes, surgidos do charco do campinho de defronte, nos fundos da Fábrica de Sabão Lang, lembras? Tudo nestes tempos é tão pueril e lindo que dá vontade chorar...

Agora, nesses sessenta e poucos quintais, o que realmente pervive é a flor memorial dos algodões doces, amendoins, pinhões e balões de junho, no céu claro de São João, o pirotécnico que nos queimava a sola dos pés ao pularmos a fogueira... Ou o fogaréu dos desejos debaixo das poucas roupas nos fogoneios nas praias do Laranjal, quando se afogava Eros dentro dos fevereiros de Iemanjá e os camarões nos beliscavam nas pernas... No mais, era tudo risos, boca e a cara suja dos picolés e sorvetes... Somos isso, nada mais. Memórias sob nossos esqueletos...

– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2010/11.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/2781170