Carta de um Tatuado Compulsivo
Oi mãe,
Sei que quase não nos falamos, mas depois do último encontro que tivemos passei a pensar mais em minha vida.
Já fazia quase quinze anos que não nos víamos e de repente nos encontramos de novo.
Desde que sai de casa, minha vida sempre foi muito corrida. De lá pra cá, morei em um monte de lugares e tive vários empregos diferentes. Também foram muitas as namoradas que tive.
A minha vida sempre foi muito agitada, sempre mudando de rumo e amigos, mas uma coisa que esteve presente durante esse tempo todo, como a senhora bem viu, foram as tatuagens.
Eu nunca ligava para a opinião que as pessoas demonstravam sobre as minhas tatuagens, entretanto ver a senhora tão assustada, chorando daquele jeito, mexeu muito comigo.
Nunca imaginei que a senhora fosse ficar tão chocada e tão abalada com tudo aquilo. Na verdade, até aquele dia eu não tava nem aí para ninguém. Mas, depois daquele encontro dramático, eu parei para pensar um pouco sobre essa mania exagerada que eu tenho de fazer tatuagens.
Eu confesso à senhora que passei um tempão lembrando-me de cada situação que me levou a tatuar uma parte de meu corpo.
Hoje já estou com a maior parte do corpo coberta por desenhos e tribais de todo tipo. Eu comecei bem cedo, ainda na adolescência e agora quase não há nenhuma parte intacta.
É difícil dizer, mas essas tatuagens se tornaram um tipo de alegria para minha vida.
A senhora sabe mais do que ninguém que eu era um adolescente tímido, calado e cheio de vergonha. Desde criança eu sempre tive dificuldade para me relacionar, principalmente para falar o que eu sentia.
Eu penso que eu era um tipo de adolescente preocupado demais com a opinião dos outros. Eu tinha muita vergonha do meu jeito, do meu cabelo e do meu corpo.
Eu era magro demais, e a minha pele era branca igual pó de arroz.
E toda aquela insegurança com meu corpo me dava um baixo astral muito grande. Eu olhava pros lados e só via gente bonita e interessante. E, para piorar tudo, quando me olhava no espelho eu via minha feiúra como algo assustador.
Eu me achava feio demais, e aquilo me diminuía diante das pessoas. Mas, de repente, encontrei a tatuagem para levantar o meu astral.
Toda vez que tatuava alguma coisa, a minha vida mudava pra melhor: eu arrumava mais amigos, tinha coragem pra chegar nas garotas e a depressão ia embora. E, assim, fui tatuando meu corpo todo, começando pelos ombros e peito. Nos anos seguintes fui cobrindo os braços, as pernas, as costas e por fim cheguei às partes intimas.
Era só eu ter um problema, como perder um emprego ou romper com a namorada, e lá ia eu fazer mais tatuagens.
Infelizmente, hoje eu estou com dezenas de tatuagens por todo o corpo e ainda sinto um vazio dentro de mim.
Ter reencontrado com a senhora depois de tantos anos e ver seu desespero pelo que eu fiz com meu próprio corpo mexeu comigo.
Eu fui sacudido com as suas lágrimas, e agora estou arrependido de tudo que fiz. Por causa disso, não tenho conseguido dormir. Toda vez que me deito, sinto uma culpa enorme, como seu eu estivesse condenado para sempre. A minha consciência fica me acusando o tempo todo. Isso não acontecia antes, mas agora essa sensação tem sido insuportável. Cada vez que olho para as tatuagens no meu corpo sinto uma dor aguda no peito, como se uma espada atravessasse minha alma sofrida.
Nunca quis admitir isso, mas eu era uma pessoa triste e ao longo de tanto tempo desenvolvi essa compulsão por tatuagens para compensar meu vazio por dentro.
Peço desculpas a senhora pelo que fiz, pois sei que a senhora sempre me amou muito e nunca quis que eu tivesse uma vida ruim.
Não quero carregar essa culpa dentro de mim; não quero machucar a senhora, a quem tanto estimo. Sinceramente, peço que me perdoe por tudo isso.
Eu amo muito a senhora, mais do que tudo nesse mundo, e não gostaria de vê-la triste nunca mais.
Com muito amor ...
São Paulo – SP, 15 de janeiro de 2011.
André Santos
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Ilha de Marajó – PA, Janeiro de 2011.
Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br