Estou de Luto
Cartas de um solitário
Leiria, 02 de Outubro de 1999
Olá querida. Tudo bom? Como vai o pequeno Bruto e as bromélias?
Escrevo-lhe esta última carta para explanar detalhes de um sentimento que, decerto você já sabe, são os nossos sonhos em comum, nossos diminutos anseios de uma vida conjugal serena e feliz.
Depois de tantos anos de espera... A expectativa de um possível encontro se desfaz aos poucos igual a uma chama que o vento consome paulatinamente. Eu sempre lhe desejei desde o primeiro momento que meus olhos se encontraram com os seus.
Mas, aí toda a impossibilidade de ficarmos juntos foi aparecendo como um sinal maldito de que talvez estivéssemos errados, que precisássemos pôr um basta no frágil sentimento que ia brotando dentro de nós... Ah! Meu amor! Foi muito difícil saber que você tinha outro, que a nossa relação não passava de um envolvimento carnal, e depois, à distância nos provou que era impossível manter uma vida sadia sob trato da fidelidade.
Foram difíceis todos esses anos que estivemos distantes: os encontros furtivos em alguns finais de semana, ou melhor, os poucos momentos que desfrutamos juntos não sanaram o nosso excesso de silêncio, afinal, tudo contribuía para que ele só aumentasse gradativamente; e todas aquelas madrugadas insones que eu tentava escrever versos amorosos, sem senti-la próximo a mim. E todas às vezes que eu maldisse o nosso amor, enlouquecido em palavras cortantes e arduamente compreendidas.
A frustração invadia meu atormentado pensamento. Eu queria ter você, sentir que deveras me amava mesmo sob o julgo da maldita distância, do nosso excesso de silêncio!
Estou de luto, porque sinto a dor aqui dentro, um amor tão belo, terno e vibrante morrer, e o pior de tudo é ter a certeza de que há muito estávamos doentes e nada fizemos para que nos curássemos. Nosso amor estava condenado como um moribundo gemendo, um vil terminal, uma flor que fanou esquecida.
Meu amor, doce amor, tão forte e frágil, por que tinhas que morrer?
Espero que um dia me perdoe por ser demasiado fraco e volúvel. Estive realmente apaixonado por você e todo o sentimento que jurei um dia ao pé de seu ouvido, num momento de amor, foram sinceros, não duvide, por favor! Estou enterrando esse sentimento com muita dor e lágrimas, mas tenho que ir. Lembre-se que a vida sempre segue, porque é vida.