CARTA AOS LEITORES
Eu sou alguém. Alguém como esses quase 200 milhões de alguéns nesse país que até bem pouco era um lugar de ninguéns, Zé-ninguéns. Este alguém, que sou eu, este Zé-ninguém, como todo bom brasileiro um dia sonhou ser jogador de futebol.
Mas o destino, que costuma ser sempre avesso aos nossos desejos, não quis que eu brilhasse nos gramados. Ele me deu pernas de pau, sem o mínimo talento para as coisas da bola. Eu jogando bola era como comer arroz soltinho com hashi; tamanha intimidade a minha com a “bolota”. Isso foi quando eu ainda era criança, um menor impúbere numa linguagem jurídica.
Então veio a puberdade. Loucura, chiclete e som como diria Belchior; esse era mais ou menos o meu cenário juvenil. Tudo pulsa a 1000 BPM quando se é jovem. Vou ser músico! Um músico de sucesso, um guitarrista excelente, de solos velozes, este serei eu.
Contudo, o mundo das cordas também não era o meu. Por mais que eu treinasse e insistisse, sei que seria, no máximo, um guitarrista competente. Competente, na média medida dos medíocres.
Competente somente, mas nunca, absolutamente, nunca, genial. E era genial que eu queria ser, nem mediano nem bom, mas apenas genial.
E o tempo, que ninguém sabe dizer exatamente o que é, vem. Vem sem nada que consiga fazê-lo parar. Os cabelos embranquecem, o corpo vai ficando mais lento, o BPM da vida agora já é mais cadenciado.
Ora, ora um belo dia me dou conta de que mesmo tendo feito muita e muita coisa, na verdade não fiz quase nada. E o mundo, sempre alheio à nossa inocência, fez seu papel.
E o papel do mundo é o de triturar os incautos, é o de esfolar os despreparados; nosso ritmo é um enquanto o do mundo é outro, jamais eles estão em sintonia, principalmente quando não percebemos o mundo da maneira como ele é.
E nesse descompasso entre eu e o mundo, um dia vi que estava casado, já com uma filha e trabalhando numa coisa pior do que um subemprego, ganhando menos do que um subsalário.
A vida despencava sobre mim, despreparado, sonhador inveterado, tinha que suportar as consequências do que nunca tinha previsto.
De repente o mundo se apresentou a mim e apontou o dedo na minha cara dizendo: Ei, cara, você é um perdido, um Zé-ninguém, não sabe o que fazer e nem por onde começar.
Simplesmente entristeci.
Entristeci e muito, acredito ter chegado à depressão. Mas a pressão da sobrevivência era maior do que a tristeza. E ela me forçava mesmo sem querer a continuar, mesmo sem saber o que fazer ou para onde ir, tinha que passar por cima de tudo e, principalmente, por cima de mim mesmo.
Um dia, assistindo TV, um programa diferente apareceu. No final do programa o apresentador recitava textos e poesias de escritores e filósofos. Achei encantador tudo aquilo, simplesmente depois de um tempo muito árido em minha vida, vi alguma coisa interessante.
Aquelas coisas que o apresentador falava eram tão excitantes, tão provocadoras... E o mais interessante, eu nunca havia parado para fazer aquelas reflexões. Eu, naquele tempo, descobri um universo que corria paralelo a mim.
Como? Eu de fora de toda essa incandescência intelectual? Toda essa pujança, essa coisa inusitada, provocativa, linda... Desse tempo até hoje o que fiz na minha vida foi somente ler.
Ler.
E se eu pudesse dizer em meu leito de morte alguma coisa para minha filha, por exemplo, se eu tivesse que dar apenas um conselho, eu lhe daria o conselho da leitura. Com apenas 10 anos de leitura minha vida é completamente outra e está sempre em mudança, sempre em expansão.
Não, leitor desavisado, não!
Não pense que tudo se resolverá na sua vida com a leitura, isso jamais vai acontecer haja o que houver. O mundo será sempre algo contra você. Mas a leitura faz você crescer, te ajuda não a solucionar todos os problemas da sua vida, e sim a dar outra qualidade a seu viver.
Se um dia me senti perdido, hoje não me sinto mais. E espero ainda crescer e aprender mais no que me resta de vida. Portanto, leitor, faça o que está fazendo agora, leia. Leia sempre, pois se a leitura não mudar o mundo, mudará pelo menos esse seu olhar de leitor do mundo.
Leia para ler melhor o mundo.