Carta pelo avesso
Geralmente a parte importante de uma carta está do meio pro final, às vezes na última linha. A pessoa recebe a carta e começa a ler com toda aquela expectativa para saber o que se passa. Para aumentar o drama, quem está lendo quase nunca recebe uma carta, afinal existe e-mail. A tensão aumenta! Mas um dia isso se inverteu e uma pessoa recebeu uma carta ao contrário.
Saudações,
Rodrigo Araújo Marques
Você vai morrer! Não se assuste, por favor. Nos últimos meses tem morrido muita gente da nossa família e é bem possível que até essa carta chegar eu também já esteja morto. É algo que acontece de repente. Um primo seu que joga futebol aqui morreu momentos antes de bater um pênalti decisivo que daria o título para o clube dele que não vencia há anos. Outro primo faleceu logo depois de ter passado num concurso público que ele tentava há cinco anos. Então se você está prestes a passar por um momento crucial tenha cuidado. Evite! Desmarque casamento, ou peça pra mudar a data de apresentação de monografia se for o caso, ou ainda se você se elegeu presidente da república renuncie agora mesmo! Ouvi dizer que é genético, coisa da família, tinha um primo de terceiro grau que era cientista e descobriu esse gene defeituoso, não deu outra, ele morreu olhando pro microscópio! Eu não sei o que você faz ai, mas deixe de fazer o que está fazendo. Eu não queria ter que escrever isso, mas fui obrigado. Não quero te amedrontar, espero que não te aconteça o que aconteceu com nossa família. Quem me pediu pra escrever isso foi a sua tia-bisavó por parte de mãe Maria Gaboriev Salatian, uma russa criada na Armênia e ela te estima tanto.
A carta terminou e o remetente conforme lia ia desmarcando seus compromissos, mas quando chegou ao final não se conteve de raiva, pois não tem conhecimento de nenhuma tia-bisavó e muito menos de parentes europeus, pois sendo ele negro, o resquício de branco da família já se perdeu há séculos e eram belgas colonizando o Congo.
09/01/2011