Ser agente da Dengue...
Ser agente da Dengue significa conhecer cada milímetro quadrado da cidade. Significa se deparar com o rico sujo e o pobre limpo, o abastado humilde e o pobre arrogante. Ser agente da Dengue significa descobrir detalhes, "podres" e segredos da vida de muitas pessoas que moram - e também as que não moram - na vizinhança.
Representa descobrir novas espécies de peixes, raças de cachorro diversas, novas cores de plantas e casas. E descobrir a recusa ou aceitação da orientação, do aconselhamento a respeito de uma conduta arriscada.
Pertencer a esta classe profissional significa arrastar o portão de arame farpado ou esperar ser aberto o luxuoso automático. Descobrir moradores desarrumados bem-humorados, penteados, limpos e nada receptivos.
Significa também correr risco de ser expulso da área pelo cão, pelo morador ou até mesmo pelo periquito. Entrar em casas supostamente abandonadas e se dar conta que há gente sobrevivendo ali, protegendo-se do mundo, escondendo-se de tudo, utilizando substâncias das mais diversas cores, odores, texturas e misturas.
Ser agente significa ver casas bonitas, com um carrinho caindo aos pedaços e casas com rachaduras e faltando telhas, com um carrão novo na garagem. Significa ver cadeado no portão, mas, mesmo assim, bater, por saber que este pode ser um macete e o morador pode estar em casa, para entregar a chave por cima do portão e esperar que você abra. Significa encontrar velhos amigos, conhecidos, pessoas que você não vai reconhecer e, por isso, ter surpresas agradáveis ou ruins.
Ser agente da Dengue traduz-se também no ato de encontrar mulheres cujo rosto fazem supor que elas gostariam de estar usando roupas mais caras e tantas outras que pensam que podem usar as roupas curtas que de fato usam. Encontrar idosos de ceroula atendendo daquele jeito porque estão na casa deles.
Ser agente significa até usar jornal velho como assento e pedaço grande de bambu como instrumento para "pescar" objetos inalcançáveis à mão, que podem parar água. Significa conversar com o catador, o juiz, o policial, a faxineira, o engenheiro, o traficante e o empresário, às vezes tudo no mesmo dia.
Ser agente da Dengue é ser um negociador nato para pedir autorização para fazer aquilo que, na verdade, o munícipe é, ou pelo menos deveria ser, obrigado. É ter observação de agente secreto para detectar os perigos e, de quebra, ver dezenas de cenas diariamente que dariam belas fotos.
Ser Agente Municipal significa ainda ser insultado na rua simplesmente por utilizar uniforme com o desenho do Aedes e ser elogiado por dois diferentes tipos de pessoas: as que tem visão e também as que temem que o agente descubra algo de errado em suas casas.
Ser agente é descobrir mais do que uma cidade diferente. É descobrir UM MUNDO diferente, quase que paralelo, na mesmíssima cidade onde se vive e trabalha.
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Nota: este texto fecha o e-book "Diário de um agente", que pode ser encontrado aqui, no Recanto das Letras, em formato PDF.